O INVERNO

(PARÁFRASE)

"Cest un chevalier à barbe à barba fleurie,"

"Au corps gigantesque, aux bras fabuleux."

(JEAN RAMEAU - "La chanson des étoiles")

É um cavaleiro de barbaça branca,

Corpanzil sinistro: que brandindo a lança,

Galopando passa pela estrada franca

Como para alguma lôbrega Matança.

Vem num corcel negro caparaçonado,

Cujas ventas sopram rolos de neblina;

Tiritando foge quem no descampado

Lhe ouve a abemolada, ríspida buzina.

É que o cavaleiro de façanhas trágicas

Brutalmente ceifa com seus longos dedos

Todos os tesouros das florestas mágicas,

Ninhos, cantos, flores, todos os segredos.

Traiçoeiro rouba, sem remorsos leva,

Galas e perfumes do jardim que expira,

O almo azul dos lagos que a nortada neva,

Dos rouxinóis morto a quebrada lira.

Sem poupar um ninho, sem poupar um cálix,

Vai pilhando tudo - lúgubre espantalho -

Devastando montes, saqueando do vales....

Acabado o bruto, funeral trabalho,

Esse paladino de iras tão estranhas,

Numa derradeira, brusca fantasia,

D'"edelweis" alastra todos as montanhas

E desaparece lá num belo dia.

Mas ninguém detesta, mas ninguém receia

O ladrão das frescas, múrmuras folhagem;

Sem uma só queixas, de volúpia cheia,

Vê a Natureza tão brutais pilhagens;

Sabe que é bendita, sabe que é divina

Essa rapinagem aliás bem triste,

Sabe que ela passa, logo se resigna

E à tragédia inteira calmamente assiste;

Pois o paladino - velho feiticeiro -

Vai pintar de novo, piedosamente,

Cada folha usada, consertar ligeiro

Tudo ás escondidas, cuidadosamente;

Vai a roupa velha remendar das matas,

Isso enquanto a seiva não rebenta e acorda,

Redoirar falenas, pratear cascatas,

E à das aves dar de novo corda;

Mas, de abril rompendo logo as harmonias,

Que entre calefrios o bom sol presente,

Por não sei que santas, doces bruxarias,

Esse velho especto, gloriosamente,

Há de numa virgem se transfigurar,

De asas cor de rosa, beijos sacudindo;

De asas cor de rosa, beijos, sacudindo,

De canções o bosque, de andorinhas o ar,

Há de, regressando, povoar sorrindo.

Sobre os velhos troncos pregará zeloso

Folhas novazinhas dum verniz jucundo

E as ramagens verdes tremerão de gozo,

Derramando flores sobre todo o mundo.

............................................................

Cavaleiro negros: pelas nossas vidas

Quantas vezes, quantas, tu não Atravessas,

Rapinando da alma flores tão queridas,

Desfolhando tantas ilusões travêssas!

Pelos campos voltas, voltas pelos montes,

Desmanchando, tudo que de mau fizeras;

Só as nossas almas, só as nossas frontes

Nunca mais florescem com as primaveras!...

1897.

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 23/02/2015
Reeditado em 23/02/2015
Código do texto: T5146958
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.