MELODIA PARA HARPA

(XLII)

À jovem e exímia recitadora Exma.

Sra. Adalgiza Neiva.

Tu que o sorrir da criança

Ainda protege e conduz:

Como arco de aliança

Como um escudo de luz;

Tu, que a treva hibernal de meu verso hoje animas,

Sobe o degrau azul dos tropos e das rimas!

Ciúmes produzem mil

Teus olhos nas nebulosas;

E a tua boquinha em til

Faz morrer de inveja as rosas:

Porque nem fulge a estrela assim com tanto ardor,

Nem a rosa possui este molde e esta cor.

Harpa cólea sempre cheia

De cromatismo suaves,

Teus lábio rouxinoleia

Como o gorjeio das aves;

E o arco do violino, e o plectro da poesia

Não têm este dulçor, não têm esta magia!

Tua voz tanto me encanta,

Que, dos solfejos da escala,

Não sei se é a ave que canta

Ou se é o lábio que fala!...

Por mais que aplique o ouvido é sempre o mesmo harpejo:

Feito de um sopro de asa e da bemol de um beijo...

Tens do colo a tez tão fina,

Tão alva, que faz cismar

No frouxel de uma bonina

Pulverizada de luar!

Tão branco que seria um sonho vão pintá-lo,

Tao puro que um olhar talvez possa manchá-lo!

São tão breves, tão estreitos

Teus pés, que num Ah! profundo,

Afirmo não serem feitos

Para as poeiras do mundo...

Às vezes, ao valsar, receio que brumosa

Não te vás desmanchar num halo cor de rosa!

Se a flor de seu cheiro é louca

E altiva as pét'las espalma:

Tu tens per'las da boca,

E os perfumes de tua alma!

Quando a rir, nos jardins, cores de trança solta,

Os passarinhos vêm, todos, ruflar-te em volta.

Vai, hóstia santa do amor!

Verbo que fez-se candura!

Sê como um vasto Tabor:

Santifica, transfigura!

Se o raio do sol entre os grilhões da geena,

Que o triste prisioneiro apazígua e serena.

Ergue em cada alma uma prece,

Em cada peito um altar!

Seca o pranto que fenece,

Consola as mágoas do Lar.

Que sempre as tuas mãos castas como o arminho,

Jamais neguem no mundo a benção e o carinho!...

Alma da alma de teu pai!

Céu de seu céu, vai, domina!

Sê como o irmã que atrai,

Sê omo a luz que ilumina!

E quando ao lado teu, sentires-me passar,

Dá-me a gota de um riso, a esmola de um olhar!

Outubro de 1893.

LIRA MODERNA - Diário de Notícias

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 20/02/2015
Reeditado em 20/02/2015
Código do texto: T5143924
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