JUSTITIA
(ODE)
"Bem-aventurados os que têm fome e sede
de Justiça, porque eles serão fartos."
Miséria e Escrevidão, monstro apocalípticos
De olhos vesgos de hiena, e asas negras de aburre,
Miséria e Escravidão;
Hediondo casal de bestas-feras lôbregas
Que do sangue do Povo, há séculos, se nutre,
Dentro da escuridão;
Miséria e Escravidão; uma Inimiga atávica,
Mais implacável, mais temível, mais possante
Do que vós - torvo par -
Do que vós, que dobrais as frontes mais olímpicas,
Há de vos arrancar os dentes, triunfantes,
Há de vós jugular.
Ela vem vindo ao longe... Ouço o ruido místico
Dos seus passos que acende auroreais reflexos
Na abóbada dos céus;
Ouço-o... Lembra o tropel de um formidando exército,
E, ao mesmo tempo, a voz de arcanjos genuflexos,
Murmura tedéus.
Vem... A terra estremece e as montanhas caóticas
Vibram, como broquéis ao retintim das lanças,
Coroadas de sol;
Vem desnublam o azul, vem levantando, impávida,
O verde pavilhão das velhas Esperanças,
Num enorme arrebol.
Sim, caminhando vem e no momento homérico
Em que Ela se encontrar convosco, face à face,
- Beluária do Mal -
Encolhendo, a rugir, as garras diabólicas,
Haveis de recuar então pra que Ela passe,
Solene e triunfal.
Depois, erguendo um malho, o seu pulso titânico
Fará cair pro terra as bárbaras bisarmas
Das carunchosas Leis;
E de outros pedestais na profundez dos Báratros,
Ao trágico fragor de trovões e de alarmas.
Vencidas rolareis;
Vencidas - para sempre, - abantesma tetérrima,-
Arrastando canhões, patíbulos, baraços,
Num baque atroador!
E então o Homem, sentindo a fronte enfim libérrima,
Sacudindo o grilhões que lhe prendia os braços
Terá o seu Tabor,
E o Homem se há de lembrar, desce Tabor, nos Píncaros
Ao sublima da Verdade a triunfal cimalha,
O Homem se há de lembrar
DAquele, que a mandou marchar há vinte séculos,
E foi ludibriado aos berros da canalha
Como um louco vulgar;
DAquele, cujas mãos um camartelo bárbaro
Um dia esmigalhou do Gólgota nos cerros
E ainda espadanam luz;
Sempre em nome da Fé, limpando tantas Lágrimas,
Sempre em nome do Amor, quebrando tantos ferros,
Pregadas numa Cruz!
1902.
(Do poema incompleto
"As Bem-aventuranças")