SALMO
(REFLEXOS DE HUGO)
Ao Exmo. Bevmo. Sr. D. Jerônimo Tomé da Silva
Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil.
"Habal, habalim vêk'ol habal"
(ESCHELOM - QUOÉLET)
Marujos! sobre as naus, ao pé dos altos mastros,
De velas enfunadas,
Com vossa alma ora alegre ora cheia de mágoas,
A luz crua do sol, à luz triste dos astros,
Tereis o porto e o escolho ao sabor das rajadas,
Ao capricho das águas!...
Homem sem consciência, inconfessáveis réus,
Debalde escarrareis sobre os astros dos céus!
Caindo-vos nas faces
A vossa baba infame há de outra vez descer!
Das estátuas heris dos Grande e dos puros
O rijo pedestal de mármore, rapaces,
Como serpentes vis procurareis morder!
Debalde! lascareis vossos dentes impuros!
Onda regougareis com voz sinistra e fera!
Pássaros, cantareis! verdejareis, floretas!
Cárceres ruireis todas, cobertos de hera!
Sinos ecoareis sempre lutos e festas!
Refletindo em vossa alma ardente e apaixonada
As almas imortais dos Homens e das Cousas,
Poetas, seguireis da Vida pela estrada,
Peregrinos do Azul, errantes e dispersos,
Ora ouvindo chorar a tristeza das lousas,
Ora vendo raiar a alvorada dos berços!...
Vós cedros, crescereis em funda soledade
Nos longínquos azul tocadas de luar!
Brotareis, palmeiras, vós, que um dia o tempo há-de
Correr pouco a pouco até vos derrubar!
Salgueiros, e bambuais, no alvo cristal dos lagos
Havereis de vos rever com vossas negras ramas,
Como braços e mãos esqueléticos, vagos,
Gesticulado à toa incompreensíveis dramas!
Ninhos, palpitareis quando ruflarem asas!
Gleba, jubilarás quando apontar o trigo!
Fachos, espalhareis relâmpagos e brasas
Que turbilhonarão como almas em perigo!
Trovões, proclamareis o Deus que o mar blasfema!
Regatos, nutrireis a flor que Abril redoura!
Natura, ocultarás, piedosa o grande lema
Que faz curvar do Sábio a fronta pensadora!
O Verbo há de vencer em nome da Justiça,
Esmigalhando aos pés, troncos e cadafalsos,
Enquanto o Povo altivo entrando após na liça
Há de expulsar do Templo os vesgos deuses falsos.
Cada qual, Alma ou Cousa, alto bradando ou imota,
Há de seguir a Lei - Alguém do Azul norteia -
Trazendo a sua pedra à Obra infinita e ignota,
Que com a Criação a humildade crêa!... (*)
Contem em Deus que os céus de Amor inunda
E que abre a toda sede intensa, na amplidão,
O Céu - essa grande urna adorável, profunda, -
Onde se bebe a Fé, Amor, Resignação!...
1894.
(*) Com o entendimento da época.