A CHINA NO BAILE DE GENTE DIREITA

A china chegou na bailanta animada pro surungo

Ouviu o gargarejo da gaita e o chamado do gaúcho,

que largara o poncho de lado e enredava suas ancas...

E naquele enlace de coxas, rodopiavam no salão

enquanto o gemido da gaita agitava o coração;

era um entrevero de pilchas e vestidos de muito pano.

No fim da primeira volteada, o gaúcho, com cuidado,

levou a china pro seu lado pra tomar uma gelada...

Ela toda animada com o gaúcho de boa prosa

pensou: dançarei a noite inteira com esse guapo faceiro...

Mas a china não sabia do malfeito à espreita:

tramavam sua retirada do "baile de gente direita":

o mulherio do galpão ficou indignado

porque o vestido da china era muito "degotado".

Além do mais, era curto e também todo de onça!

Costas de fora – seduz o vivente – disse a senhora do lado.

Pobre da china no baile, nem pode esquentar os quarto:

ou tu trocas de roupa ou vais embora da dança

A fiscal de salão ficara envergonhada,

mas quem manda é o cliente, e a china foi avisada!

Ela também não fez por menos:

Não saio do baile e não tenho outra roupa!

Me arruma um lenço pras costa, quero voltar pra dança!

A dona do baile, então, vendo a china decidida

trouxe uma blusa branca, de algodão, pra rapariga,

que pra desgraça das véia, enfiou o modelito

e saiu rodopiando seu vestido de voal

transformado em saia, com a blusa de algodão.

As véia olhavam de lado, os véio fingindo não vê

Dançavam desconfiados do que a china fosse fazer...

Mas a música do gaiteiro venceu carqué discordânça!

Dançaram todos no baile, até o fim da festança!

A china foi informada: da próxima vez que vier,

vestido abaixo do joelho, "degote" bem no gargumilho

E costas de fora, no galpão, nem de velha nem de moça!

Darcila Rodrigues

Do Livro: Cultura e Identidade dos povos dos pampas- 2016,

Organizadores: Giovani Pasini, Valdo Barcelos e Sandra Maders, editora Caxias

Universidade Federal de Santa Maria, RS.

* Bailanta: s. f. local onde se realizam bailes populares. (var. bailante)

* Surungo: baile de gente simples; arrasta-pé, sorongo.

* China é o nome dado às mulheres caboclas, morenas, geralmente descendentes de índios. Chinoca: diminutivo de China, é um termo muito utilizado no Rio Grande do Sul, em especial pelos gaúchos que moram em cidades da fronteira.

P.S. > As definições acima são as que constam nos Dicionários consultados. Entretanto, no dialeto popular do RS, "China" tem um sentido pejorativo, que coloca a mulher numa condição de menos valia. Dessa forma, quando criei esse texto, a intenção foi chamar a atenção sobre o papel da mulher na Cultura Gaúcha, na Arte e sobre as "regras" em relação às vestimentas femininas nos CTGs. Inclusive, no que tange a participação de pessoas que somente desejam conhecer a Cultura nesses CTGs e não tornarem-se membros. Seria necessário tamanha rigidez? E o olhar sobre o "vestir-se" de uma mulher; e o preconceito que deriva desse olhar? Pois enfim, o valor de qualquer ser humano não pode residir em suas vestes...