ATÉ À ÚLTIMA PERDA...

Luciana Carrero

Sobre as linhas, raios radiantes

colocaram claves de sol, e assim,

meu Deus, um milagre se faz:

caem estrelas sobre as pautas,

subindo e descendo as escadinhas,

numa dança repleta de formosura...

Vem dançar comigo, sustar meu pranto,

como as estrelas fazem nesta pauta triste.

Vem dizer amém, vem cantar as glórias

do céu, despencando em flocos musicais...

Uma clave de sol, outra de fá,

ou este grave dó, fazem sentido a quem

já não ouve o secular cantar do amor...

Tudo é engodo dizendo que o mundo

não é uma esfera que gira num eixo,

mas ária em claves para nos encantar...

O maestro coração se move, esmerado.

Nem a batuta mágica, ou só ela,

controla os ímpetos que devemos conter...

ou não!

O coração é quem manda. A razão,

certas horas, viaja para um lugar distante

além das montanhas avistadas ao longe...

Sol... sol... sol... sol...

Sol que brilha no horizonte da alma.

Se olha de um lado, vê um triste só,

entre as semibreves que contam histórias,

longas ou breves, de um sonho sepulto!

Se olha para outro, outros espectros

que fugiram nas névoas do tempo,

deixando a chorar e sonhar algum triste,

a imaginar bailados, relembrar momentos

dos tempos vividos nos rumos seus...

Dos rumos, Deus, que já vivem cansados

das esperanças que fenecem como o entardecer,

e não renascem sempre, quando vem o sol...

Resta dançar, só, a solidão das ausências

deixadas na medonha herança do ser...

Quem parte, nunca virá a dançar sonhos

porque num pesadelo foi. Os tristes

acordaram atordoados por não terem

a mão suave de uma mãe para acaricía-los,

no mundo, desesperados,chorando sós;

assustados na madrugada, derramam

Letras sobre laudas, últimas companheiras,

após noites e dias, céleres passados!

Venham buscá-las, levá-las para onde -

Para onde? - lá onde se esconde o amor!

Mas há só dores e ranger de dentes!

Resta esmurrarem-se, para sobreviver

na dor... na dor... na dor... na dor...

Nascem as flores, morrem as flores.

Os pássaros que cantaram, muitos

feneceram de tanto cantar em vão...

Humanos, pelas estradas de um fim!

Fantasmas viventes,

depois voltam ao sereno

do nada, a esperá-los, traiçoeiro,

para o silêncio da última hora.

Resta derramar palavras - e isto é poesia -

mesmo não agradando ao vate professor;

poesia, a entorpecer. Ópio para esquecer,

quando um pedaço de si rompeu-se de si.

Dia a chegar sempre "hoje", maldição do tempo...

Tudo acaba, meu dileto amigo!

Vaga o ser, na ilusão que o faz esquecido,

no sonho de viver, até a morte adormecê-lo

do último encanto... Por que não vens!

- Porque não vens, porque não vens!

- Porque a hora agá é surpresa que não vemos!