Manoel sonhou

Luciana Carrero

No sonho

Ele escrevia

a divina comédia da vida

na tragicomédia que via

Fazia isto com um alfinete

nas costas de um grilo

falante do seu quintal

De lá saiam mensagens

do velho sonhador

para entorpecer a dor

de quem conhece o descaso

precisa de um linimento

elementos para ficar doido

suportar as mazelas

de viver os seus ais

anestesiado e só...

Manoel jorrava água benta

para dessalgar corpo e alma

de um desbendito vivente qualquer

O humano precisa de maconha

cachaça cerveja cocaína crack tabaco

e quase tudo é proibido

menos o "medicamento" fabricado

para sustentar o capitalismo

e dessustentar nossos enredos

Manoel tinha uma droga melhor

para acalmar os desafetos

da gente sofrida que pede hospitais

e mais hospitais ao governo

para curar as dores do estar vivo

entorpecido pelos vícios

Manoel esteve no Mato Grosso

e sei lá mais onde esteve

Aqui em Porto Alegre

cidade que fede à maconha

por todo o lugar em que passo?

E o país fede a tudo

Quintana dizia: “Temos que denunciar,

mas a quem? Denunciar a Ozome!”

O funk apodrece de rico

e já tem funk ostentação

com fedor de maconha

da mesma marijuana

que fede nas ruas de Porto Alegre

enquanto os poetas morrem de fome

tentando doar o perfume da poesia

que ninguém quer usar

Manoel morreu de velho

Manoel morreu de desgosto

enquanto irmãos seus

sonhavam com prêmios nobéis

e se encharcavam de distilados

para poderem ser loucos

o suficiente para serem poetas

Mas Manoel partiu no seu tempo

um novo tempo começa

e é para a frente que se anda

até o apocalipse chegar

ou até... o apocalipse chegou!

Manoel sonhou e acordou morto

do seu pesadelo de estar vivo

escrevendo nas costas de um grilo

e não teve tempo de incluir

o último verso que poderia ser

“álea jacta est” ou ainda

“Ser ou não ser eis a questão!”

Joaquim Moncks professa

talvez para ouvidos que não querem ouvir verdades

E Manoel morreu sem saber quem são "Ozome"

de quem o Mário falava com habitual sarcasmo

Quem sabe Manoel sabia

mas não queria falar de desgraça!