MANOEL PARTIU PARA EMBORA...

Luciana Carrero

As palavras caminhavam sobre ele

Conheciam todas as entrâncias

reentrâncias do seu corpo

Sabiam mais dele do que ele delas

porque nele se pronunciavam

como se pronuncia o suor

do corpo dos operários maldestinados

as coisas ínfimas as universais

as grandezas e desgrandezas dos tudos

Manoel era tisnado do sol das noite

banhado no luar dos dias mal contados

Ele não tinha noventa e setembro

Noventa e sete é que o possuía

nem de janeiros e dezembros contava

Segundos eram claves

minuto eram pautas

horas eram sinfonias

inacabadas a cada dia

porque cada dia era um poema acabado

que acabava sem precisar final

quando a pauta acabava numa cauda de sol

Ele desconversava tudo no dia seguinte

porque o novo dia re-construia inspiração maior

Manoel não sabia de nada nem pensava

O pensamento é que o pensava

Ele não dormia porque o sono lhe dormia

Manoel nem poeta era

a poesia é quem era Manoel de Barros

Foi embora porque o embora o arrastou

A inspiração disse, chega Manoel

de dizer tanto por mim. Vai dencansar

nos braços do nada.

Outros poetas te desseguirão

até o início do fim que nem fim tem.