Proposições

Liquidificadores dispersam a tarde

em voláteis formas de algodão.

******

Vibráteis ecos sibilam augúrios

entre ferros, tétanos e láudanos epístolares.

******

Corpos em fila simulam obediência,

a máquina administrativa gera cadáveres escravos

do medo.

******

Azul do céu que me fulguras...

******

Ó triste decassílabo de outrora,

choroso desencanto do meu outro...

******

Um cão me olha: milágrimas... Derramo flores sobre o estrume,

mas o passeio movimenta o açoite e pasta

a indiferença protocolar de corpos férreos.

******

Entre pizzas e falas robóticas

dublês de corpos se apagam na carne,

curto-circuito de sistemas retrógrados...

******

Relembro-me olhando pela janela da minha casa o tempo,

os vizinhos, a igreja ao longe, revejo-me na tela da memória

olhando por esta janela aqui, mais moço,

capaz, inebriado de verve.

Agora, velho e acomodado, cheio de responsabilidades,

de novo na janela, o tempo é somente o tempo,

os vizinhos morreram ou casaram-se, a igreja

foi destruída pelos iconoclastas sem perdão

e o mundo definitivamente expõe seu cinema cru

da janela de uma casa onde chora um homem

dos escombros do seu passado.

******

Eu ando pelas ruas e vou

arrancando paralelepípedos cheios

de relativismos.

******

Aquele homem rude

traz no rosto

o mapa geográfico

do sofrimento autêntico.

******

Na fila do ônibus

olhares baços disfarçam tédios,

crianças disfarçam balas, chicletes,

jovens disfarçam tesão, ânsia,

velhos disfarçam dentaduras, morte,

a tarde carrega consigo

uma indisfarçável feição

de inexistência.

******

Entre ruas amareladas

e árvores imensas

meu esguio perfil caminha

debulhando sofismas calmamente,

simples como quem descobre

um avião rasgando as nuvens,

belo como quem queima máscaras,

triste como quem se lembra

de um velho amor de infância.

******

A noite gira milênios

de seus óvulos de nêutrons.

******

O espelho se condiz,

mas não me conduz.

******

Sou o tempo badalando na praça

ao meio-dia,

lembrando que o sol ainda arde

e por isso nos convida ao sonho.

Sou o necrológio do pobre jovem, morto

antes de se casar com Eleutéria,

por sinal um nome digno de nota.

******

Até onde sei

a vida é bela,

mas eu não sei de nada.

******

A lua gira no céu

seu carrossel de lira

sobre ébrios enamorados

da solidão.

******

Transmitam-me alegria, vida, poesia,

qualquer coisa que palpite êxtase,

taquicardia, ataraxia, haxixe, lastros de cio

em dóceis lábios, ardor, febre de delícia,

qualquer coisa que ria do Infinito,

gerânio, vulva, vocábulo que se encaixa

ao sentido perfeito, sol que se desprende

de sua moldura de minério, qualquer

coisa, um tapa, um pasmo, um susto, um surto,

um desfibrilador que ressuscite as mais loucas ondulações do existir,

qualquer coisa que faça a vida valer a pena,

o riso da criança, por exemplo,

qualquer coisa que exploda sua luz única,

transmitam-me vida, por favor...

Vagner Rossi
Enviado por Vagner Rossi em 28/02/2014
Código do texto: T4709899
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.