“azul”

Venta na cidade turva.

Sentiu saudades do olhar

azul dela que criava

as tempestades.

Agarrou-se ao último alento,

e ao último aroma.

Sentiu saudades dela que

era o pão de todas as

manhãs.

Sentiu-se amarelecido.

Sentiu-se como o cristo

arrancado da cruz antes

da morte,

antes do beijo.

Os ventos enlouquecem.

Fez-se o próprio horizonte, e

lhe era tão difícil, mesmo

quando ainda jovem, acenar

aos bobos que passavam pela

estrada.

Era a última árvore do

mundo, frondosa e enraizada,

criando fresca e exuberante sombra.

Amarelecido como os diários

imaginários dela.

Branco como uma doença,

negro como um amor.

Repentino e seco, clarão

de fogo que tudo destrói,

à noite.

Sentiu saudades do olhar

azul dela que acalmava

tempestades.

Azul era a cor de tudo nela:

das velas, dos lençóis, da neve que

nunca vira, da casa, dos lenços,

dos olhos, da bússola, das notas

ao piano nunca tocado, do

nome, do homem.

Belo e triste, como o vento,

como o tempo, como o

sorriso provocante da morte.

Saudou o gosto dela no

café da manhã, embalou-se

encostado no peito.

A tragédia dançando com o

vento, como na infância

de noites provincianas.

Sentiu saudades do peso

dela sobre si, e de como

a arrastava, trêmula,

pelos dias e estradas poeirentas.

Sentiu saudades do vestido

azul de festa, do céu e

do mar que eram um só

azul quando os corpos

tombavam.

Venta na cidade turva,

venta um vento simbólico que

desfaz os rastos que

as raízes deixaram no chão.

Venta um vento melódico,

desses que pesam o corpo que

se arrasta na estrada que se alonga,

venta um vento de cidade infinita,

um vento de palavra não dita,

venta um vento que despe árvores,

que desce os deuses dos céus,

venta um vento que entristece as janelas,

um vento que envelhece bicicletas,

um vento que enfraquece as ruas

e enerva os córregos.

Venta um vento que derrete a pia batismal,

venta uma magia

venta uma solidão azul,

venta uma mulher.

Queima a árvore sagrada,

como voz do divino.

Hans Cristian Koch
Enviado por Hans Cristian Koch em 28/12/2013
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