Rapsódias (blue)

eu rasgo o pano

que cobre meu rosto

e exibo minha cara

suja e magra; há muito

tempo guardada

e exibo minhas marcas de vida

minhas cicatriz empalhada

essa minha pele de pobre

com olhos de louco como

vidraça trincada e esse

nojo de conviver com

os mortos...

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a ver navio

todos os dias eu olhava

seu dorso frio e fingia

não gostar ,

envergava sobre outro

sonho e me punha a navegar

e nesses mares noturnos

onde amor não se faz,

havia o cântico das sombras

e outros gritos germinais

seu dorso ali no mundo

e eu, sei lá o que era eu,

buscando como se era

me achando o prometeu

e dia quando me cansei

de buscar o que não sabia

seu dorso tinha ido embora

e eu fiquei a ver navio

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quando Paula Ana cruzou as pernas

e um naco de vida resplandeceu,

ajoelhei sobre as águas e

sobre as pedras, me ascendi

e descobrir-me, o farol.

e minha imaginação, tão poderosa

quanto o céu, arriou do seu cavalo

bravo , pulou sobre o tablado;

e dançou fogo como o sol

meu corpo, que antes, boiava

no mar morto, abriu-se em janelas

e de longe, dentro dela, eu

vi que havia um flor

um flor perfumada e orvalhada

que já me falava de amor

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não havia amor

deixei -os, e sua solidão

hão de lhes fazer mel e pradaria...

deixei-os ao amor do sol e

ás costuras que a vida lhes farão

esperei receber dos corações

que busquei amor, amor

mas eles eram vazios

porcelanas bem comportadas

prateleiras bem limpas;

banheiros bem cuidados

apenas jogos e vidraças

não havia o céu

nem o mar, nem o vento

e nem sequer um fresta:

tudo era confinamento

(nem têmperas nem encolhimento

somente o pasto inseguro

à espera de polimento

já que o amor é raro

e o acordar é lento)

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sem vergonha

Quando eu acordei e dei de cara,

com o focinho da vida;

logo vi as coisas como eram ...

não eram do jeito de quando roncava...

(uma moça comportada...

de vestido de chita e laço )

era um mistério mais forte

era como uma mulher que

levantasse a saia

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Da tua boca

A tua boca tem gosto de fogo,

De língua de fogo amarela e vermelha...

Tua boca tem gosto de brasa e de óleo Diesel ,

Tua boca explode quando beija...

Tua boca é suja de amor,

E tem o mistério das estrelas,

Tua boca é um estalo de pólvora,

De morte e de desejo, tua boca me

Torna silencio e me espora

Quando Sinto e quando beijo ;

Na tua boca tem mil bocas que

Morde e tritura...tua boca me

Põe na vida, me faz uma aventura

Tua boca é igual dor, que dela

Revela a criatura

que lhe falava da vida

Quando ao sol expôs sua fome

E os bichos que lhe eram ditames;

O poeta, antes triste , vestiu-se

De outra roupa, que não fosse

tão infame...

Pisou em outro solo , de comida e sensação

Colou em seus olhos , cores mais cítricas

Que se alinharam em narrativa,

uma mais alegre, que lhe mostrava a coisa viva

uma nova vida

um tempo antigo

vai-se indo e leva

nele um menino

um tempo novo

vai chegando

e nele, forte,

um novo homem

e nesse cruzamento

onde ruas transversas

formam esquina

cada um busca o seu

canto, e sem espanto:

“uma nova sina ”

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dos que sente

No quarto negro de meus olhos

minha vida sangra de solidão...

Um tigre de bengala me segue

e meu medo é seu sumo..

E da minha languidez

sou escravo e amante,

às janelas sou indiferente

pois é aqui dentro do escuro

que busco o rio dos que sente

Flor medrosa

O cheiro de vida

Que saia de suas coxas

Quebrava meu queixo

E, na noite, calava o mocho

Eu, perplexo de Sede

bordava a tarde e

e acordava de um sono

Esperando a noite

na estival tristeza:

eu me deixava carne

e abraçava o verde

e me rendia ao sol

na sua sacada esteira,

que lá do alto beijava as

faces ... e da flor sarava o medo..

é do amor

quando na praça o amor

se estende e se oferece

de graça, ninguém o quer

ninguém entende, pois se

é dado, não é raro,

entende ali uma trapaça

uma baça transparência

e se caso, na mesma praça

ele se comporta diferente,

grave , ou bruto, mas sobretudo

indiferente, os olhos do povo,

logo ali se faz presente

pois assim aprenderam

“que é do amor não gostar da gente”

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vida escorrendo

Da embriagues de viver

faço esses versos

simples:

"o canto que do sol vem

é para os lados que não tive "

e deixo meu rosto saber

meus olhos caminhar

e minhas mãos arderem...

"tem vida no verde

da folha, nos olhos

ensolarados de mariana,

na casa dos fundos,

e nas tristezas mãe ana"

eu bebo vida, aos

goles, eu sinto a vida,

aos trotes,

tem gente que vê nisso

sofrimento,

eu sinto é o tempo na carne

varrendo, picotando

fritando os solhos

como um veneno

eu bebo aos goles

essa vida que tenho

já que viver é sentir:

o tempo, na gente, se refazendo...

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a lingua que na fala

No vácuo desse mundo

Apertado, de Tantas mazelas

e torturas, acordamos as

palavras

A cortina... as folhas

os embrutecidos e as moças

Os desencontros ( de medo? )

E as palavras pulam da boca,

sem Jeito, sem direito

(Onde é o lugar

Da palavra senão

Fora dos fósseis

Dos carbonados

Desastres

Que vagam embaixo

Do corpo como se

Fosse vermes arqueológico)

Tudo guardado

No fundo da mala

Pois esse mundo é inseguro

Quando se tem na

Lingua, o veneno da fala

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Eu rasguei da cintura

O cobre e a paisagem;

Pois já sinto do céu,

as estrelas e o mar

da eternidade

aos meus olhos

mais nada os digo

deixo-os boiarem

sem esperança...

deixo-os na matéria

do sonho da terra

Infanta

daqui vejo apenas

escravos e açoites

e de dente afiado

o anjo mau que despertou

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se o amor vem

e o coração comanda

eu sinto que o sonho

é cálido e a beleza

é quem manda

seus olhos são

breves e minha alegria

é um vulto, um curto-circuito

eu sinto o que vivo

eu não falo, entretanto

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como se fossemos deuses

o sol te punge na pele, um vasto tecido de amor

que desce em doce sonho, acariciando tua dor

vem de muito longe, e traz em rastro, epifania , uma

de tempo já morto , que só nos mosteiros se cria

vem de braços fortes e te abraça por dentro

O teu velho mundo morre e te põe nos

sentimentos , como se fosse um deus

que te habita em silêncio

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amanhacer

Minha vida ficava

em um cipreste

que me amarrava

no mundo...

meus olhos

era cansados

e minha fome

era de amor;

E por não tê-lo

eu aprendi

a amanhecer

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como se fossemos deuses

o sol te punge na pele, um vasto tecido de amor

que desce em doce sonho, acariciando tua dor

vem de muito longe, e traz em lastro, epifania ,

de tempo já morto , que só nos mosteiros se cria

vem de braços fortes e te abraça por dentro

O teu velho mundo morre e te põe nos

sentimentos , como se fosse um deus

que te mostra o firmamento

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Senhor, libertai-me

Da fome e da solidão desmedida;

Dê-me um nome e uma pele

Que me proteja , um outro sono

Mais claro e que não, tanto,

me escureça;

Dê-me melodia e estrela;

Me salve dos sortilégios

(Já me basta o mistério)

Dê-me néctar e sabão,

Antes que eu desapareça

Já que o acordar é infinito

“É uma terra que nunca chega”

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Ao pé da porta

Sentado com o

Queixo embutido

Nas mãos, João

Olha sua vida

Pregada no chão.

Tem formigas,

Cimento rasgado,

E um grão de feijão,

Tem areia, tem sombra.

E muitos rastros de pão

Tem a marca do tempo

Que lhe mostrou

Seu estado, de estar nesse

Mundo, com o corpo

Quebrado,

João ouve palavras,

Que não Existe no chão, são

Apenas barulhos que nunca

Esteve em mãos, um mundo

Distante, que lhe faz diferente.

E apesar disso tudo

É um homem presente.

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berradas

o botoque joga pedra

quebra o vidro da janela

quebra o sonho da infância

joga fogo nesse mundo

e acende a primavera

passa tia, passa tio

passa rio, passa todos

meus irmãos, minha

vó, meu pai e minha mãe

passa logo, coração!

trotando pela caatinga

os rostos vão morrendo

pelas ciladas ou pelas

carapuças mal amarradas....

e o bodoque joga bala

o batoque acerta a cara

o bodoque é meu amigo

o botoque é meu irmão

o desfiladeiro é grande

e a fumaça se chama tédio

do poema sou o ébrio

meu mundo é um casebre

bendita seja a solidão

ja montei em cavalo brabo

já busquei mulher casada

ja levei caçoada é muita berrada

desci corredeiras divinas...

ja cometi assassínios metafisicos

e já levei muitos cocorotes

essa vida é só porrada?

e agora sob o mar...

no espelho de criança

vejo tudo muito louco

meu botoque estira pouco

E não acerto a esperança...

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tu que andas na noite esperando

o amor...que já não vives, apenas

é sombra e saudade, que lamenta;

e que morre junto com cada noite

que te escapa...

a tu eu digo vaporado pele vinho

que estou tomado

que haja sol na estrada e que

tua boca seja rio e devaneio

e que esse dia seja bonito:

que seja recreio e morada

que a vida lhe seja verdade e que

o céu lhe seja cobertor e estrelas

sua solidão mais áspera,

que o passado lhe seja sabedoria

e não apenas dor, que sua

vida seja vinho que lhe evapore

de amor

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uma terra que nunca chega

Senhor, libertai-me

Da fome e da solidão desmedida;

Dê-me um nome e uma pele

Que me proteja , um outro sono

Mais claro e que não, tanto,

me escureça;

Dê-me melodia e estrela;

Me salve dos sortilégios

(Já me basta o mistério! )

Dê-me néctar e sabão,

Antes que eu desapareça

Já que o acordar é infinito

“É uma terra que nunca chega”

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Se algum dia o sol lhe arder os

sonhos, e as janelas se abrirem em meio

a ventania... e um suspiro

vier-lhe a face e sua

pele vibrar com o tamanho

da vida...

se outro rosto lhe amparar

do tédio e do desdém...

se uma língua de fogo correr lhe

corpo numa corredeira

em frenesi.... se os espelhos

lhe falarem de água, de clareza,

E imagens sonoras cantar

À sua porta e lá fora as tarde

Estalarem como um tapa na

Cara do dia, se o céu azul berrar

Sua cor nas calçadas, e de repente

Detalhes, antes perdidos, lhe arder

Os olhos...

Em verdade, vos digo,

Que já não é de todo umbigo...

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um janela qualquer

A cidade está

Rodopiando sobre

Tua boca, sobre

Tua pele de susto

Nesse teu olhar

De ambrosia

E tua boca tem

gosto de caldo

da cana E de

melancia, (...)

e sem querer

forçar, e espero

Que me perdoe

seus peitos

pequenos mexe

tanto comigo

“me dá uma agonia!”

teus lábios frescos

melancolicamente

não fala de amor.

Mas quando os vejo

Acende meu dia;

Não quero o amor

(...)

Quero sim, tuas

Pernas em arco

Tuas unhas afiadas

“quero o mar bem

revolto e as ondas

estouradas ...cuspindo

todo o branco do mar

na areia ressentida

quero sim

a vida latindo

e tua boca

berrando aquelas

palavrinhas...

Quero a vida

Que se come

Que se gosta

Quero a vida

Boa, não uma

Vida de lorota

eu Quero mudar a

Geografia...

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Abrir-se o invólucro do espírito

E dele sair ratos e outros bichos

E ter a envergadura necessária

De saber que o belo é o ser mostrado;

De que o feio é o que não se revela

Que te deixa morto e desalinhado

Que a beleza se chama amor

quando a luz bate num aparador,

seja ele um deserto , ou uma tempestade

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Alex Ferraz Poti
Enviado por Alex Ferraz Poti em 08/03/2013
Reeditado em 04/04/2013
Código do texto: T4177842
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