Meninas da minha rua
 
Na minha rua ainda elas jogam peteca.
Fingem ouvir o mar com ouvidos nas conchas
e brincam de roda; pedalam bicicleta.
 
Mostram beleza e graça, empregando seus meios:
quando plantam bananeira, alteiam as coxas;
andando sobre os saltos, empinam os seios.
 
Desfrutai dos folguedos, meninas de agora!
Tardes de verão, aproveitai com afinco;
hoje, crianças, amanhã, sereis senhoras.
 
O tempo vai, nada ele espera. Ontem foi hoje!
Se me puserdes na roda, vereis que eu brinco
com lembranças boas do meu tempo, sem pose.
 
E vós, meninas de outrora, onde vos metestes?
Em qual cometa abandonastes minha rua?
Em que altar subistes portando um ramalhete
 
de flores, para dizer sim a um noivo afoito?
E a quem vos destes com pudor de virgem nua,
gozando com sangue e dor o primeiro coito?
 
Tantas fostes vós a povoar meus delírios
(loirinhas, moreninhas, ruivinhas ou pardas),
mas, por força de um hipotético concílio,
 
crescestes e vos fizestes mulheres. Belas
e sedutoras algumas. Outras, com sardas
(contudo não menos lindas que outras donzelas).
 
Se, no entanto, risos e lágrimas vertidas
sulcaram-vos o corpo, e o coração rasteja,
nunca vos envergonheis das marcas da vida,

nem oculteis o rosto no meio do povo.
Aparecei, senhoras, para que eu vos veja,
pois terei prazer em conhecer-vos de novo.


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N. do A. - Na ilustração, No Jardim de Oscar-Claude Monet (França, 1840-1926).
 
João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 26/11/2012
Reeditado em 05/09/2020
Código do texto: T4005371
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