NO MUNDO DA CAMA...

Não há uma perfeita explicação

Para um sonhar que se revela

Bem longe de qualquer intuição

E perto do pensar que seqüela.

Em saber que um rico e senhor

Dono de uma simples cidadela

Era também na força possuidor

Das vontades de uma donzela.

Doce, meiga, nova e tão perfeita

Que da sua beleza brotavam flores.

Mas, de felicidade em si desfeita

Por viver sem verter seus amores.

Pensei em visitá-los pra entender

Como viviam sem se ter carinho.

Não que eu a quisesse defender

Ou pra ele mostrar-me bonzinho.

Mesmo porque eu já era bem casado

Tinha uma mulher sempre delicada.

O nosso casamento era até sagrado

Ela pra mim era a esposa dedicada.

Intrigou-me o lugar que chegava

E decidido a comprovar o tal boato

Mudei a rota que pra mim tomava

Para um lugar totalmente inexato.

Lá chegando fui muito bem recebido

Fui apresentado à família reunida.

Parecia até que eu havia ali merecido

Aquela hospitalidade desprendida.

Meu olhar cruzou com o da senhora

Que obrigada em mim também se foi

Nunca houvera na vida tanta história

Como ali fora contada por nós dois.

Finquei meus pés naquela cidade

Não ligando pra qualquer destino.

Se minha morte fosse à verdade

Encararia. Não era mero desatino.

Passamos a nos amar todos os dias

Não ligando se fossemos notados.

Mas ela tornou-se a fêmea arredia

Então acabamos sendo revelados.

Aquele senhor que de início me acolheu

Fora lesado no que ele mais primava.

A riqueza juntada e tudo que a ela deu

Sem ligar pro coração que o amava.

Não tínhamos mais como esconder.

O ponto principal estava quebrado.

Dele não se podia mais retroceder

Pois, nosso romance estava firmado.

Ela num desespero inexplicável

E usando o artifício mais ardil.

Sangrara o peito do miserável

Apunhalando o velho corpanzil.

A tragédia de fato se consumava

E só nós que sabíamos deste mal.

O povo dali jamais se acostumava

Com um crime por motivo banal.

Distanciamos-nos para amenizar

Qualquer rumor que pudesse surgir.

Como se alguém fosse desconfiar

E disso não teríamos como fugir.

Tudo passara em nossa cabeça

Como uma história bem normal.

Desse amor que alguém mereça

Acabar-se num crime passional.

Não agüentávamos viver ausentes

Como se fosse um amor simplório.

Éramos definitivamente amantes.

Encontrando-se em pleno velório.

Não resistimos ao tempo já perdido

Queríamos nos abraçar como antes.

Só pensávamos no futuro prometido.

Numa vida intensa e sempre errante.

E surpreendido num súbito desejo

Decidi olhar o fúnebre no caixão.

Iniciou-se ali meu maior pesadelo

E não contive a primitiva reação.

Olhando para o rosto do moribundo

Via-me olhando minha própria face.

No caixão estava eu fora do mundo

Morto pela amada em novo enlace.

Desesperado aquela senhora procurei

Afinal, pra isso haveria uma explicação

E quando, fixamente, pra ela eu olhei

Tive outra nova duríssima constatação.

Aquela mulher de lascívia constante

Libidinosa e incansável enamorada

Era a esposa que num lugar distante

Deixe de esperando minha chegada.

Lutando contra a emoção que o sonho me deu

Compreendi a imensidão que a loucura martela.

Aquele visitante, danoso, morto e traído era eu.

E a minha esposa, viúva feliz e amante era ela.