Não sei mais ser Flor...
Não sei mais ser suave
indelicadeza, reverso em ferro
bisturis nas entranhas, peço...
sofismas que minha carne, tece,
punhal de incerteza é quase
Não sei mais sorrir
brotam rasteiras ervas daninhas
sufocando os poros de onde
em outra seita, cultuavam luxúria
louvor a uma alma crua...
Não sei mais ser essência
escorre pelos vidros
da vida, meus cacos,
minha água, partos
cristais aos pedaços
Não sei mais ser pura
contamino minhas veias
vícios, riscos...
vínculos arranhados na areia
tempo diluído em sangue
Não sei mais ser eu
dor que minha língua, lambe,
letras esculpidas em vitrines
sinais vermelhos sem maestria
em negros glóbulos de rimas...
Não sei mais ser flor
sem miolo, oca
rasgo minhas pétalas
fungos em caule seco
restos, incinero...
Almma
Linda, maravilhosa interação de Ana Flor do Lácio. Obrigada.
A NOITE SE FAZ DIA...
Às vezes sinto em mim
As longas mãos da noite...
Acariciam meus cabelos
São mãos silenciosas,
Tocam levemente meu rosto,
Pedem-me um poema,
Versos ainda por nascer...
Às vezes sinto em mim
Uma vontade eterna
De ser só poesia,
E fundir-me no abraço
Da noite infinita...
Às vezes sinto
Viver em mim
Uma indizível dualidade.
Sinto, a um mesmo tempo,
Um tudo que é nada.
Sinto que sou deserto e oásis.
Cometa e estrela.
Concha quebrada e areia dourada.
Naufrágio e caravela.
Cinza e fogo.
Tempestade e manhã de sol.
Eco e laço.
Ruído e silêncio.
Grito e sussurro.
Indiferença e beijo de ternura.
Muro e ponte.
Porta fechada e janela aberta.
Tristeza e alegria.
Abismo e jardim perfumado.
Partida e chegada.
Desespero e esperança.
Noite e dia.
Vinho e água.
Algema e liberdade.
Mentira e verdade.
Anjo e demônio.
Escuro atalho e rua iluminada.
Loucura e razão.
Um tudo que é nada...
Às vezes, como agora,
Enrolo-me dentro de mim
E abraço
Meu silêncio interior.
Seguro as palavras
Que teimam em sair
Fazendo barulho por aí,
E guardo-as
Na gaveta mais próxima.
Fecho os olhos
E sinto-me branca e leve espuma
Cavalgando na garupa
Das ondas azuis...
É então que ouço
A voz do vento...
Sinto-o tocar minh´alma
E seu silêncio
Com seus dedos de veludo.
E eis que a noite se faz dia,
E o nada, que antes sentia,
Toma forma,
Ganha cor e vida,
E passa a ser tudo...
Ana Flor do Lácio