Deus nos Livre e nos Guarde
Deus nos livre:
De uma grande tormenta
Num barco estando a singrar
Das correntezas do mar
Ao sair para pescar.
De um mau vizinho
Morando alguém por lá
Da música intrusa
E bem alta sempre a tocar.
De uma bala perdida
Estando a passear
Da violência humana
De um bandido a assaltar.
De um furacão a girar
Vindo de alto mar
De uma ventania a chegar
Estando forte a soprar.
De um caminhão a frear
Tendo alguém a atravessar
De qualquer acidente que há
Pois sangue vai derramar.
De um sofrimento prolongado
Esperando a morte chegar
Do estado terminal
Pois ninguém vem abraçar.
De um incêndio sem controle
Sem água para apagar
Do fogo do inferno
Depois da morte chegar.
Deus nos guarde:
De um raio que parte
Estando no campo a andar
Do estouro de um trovão
Sobre meu velho barracão.
Da lâmina de uma espada
Pro meu pescoço apontar
Do ferro quente em brasa
Na mão de quem de mim tem raiva.
De um naufrágio em alto mar
Pois cabelo não tem pra pegar
De um navio a deriva
Pois no porto pode não chegar.
De uma seca no sertão
E sem cachorrinha pra puxar
Da minha mão a suplicar
Pois ninguém vai acreditar.
De uma peste endêmica
Sem vacina para tomar
Da doença que mata logo
Se não tem para onde levar.
De uma sentença a cumprir
Sem um juiz a julgar
De um mau pensamento
Querendo caluniar.
De uma cachorra parida
Querendo logo avançar
Da mordida da serpente
Se não tem pra onde levar.
Da erupção de um vulcão
Com lavas a derramar
De um grande terremoto
Com tudo a derrubar.
Das ondas gigantes do mar
Logo a se movimentar
De um tsunami a vagar
Com ondas de longe a chegar.
Do vapor do caldeirão
Em estado de explosão
Do azeite quente a ferver
Querendo se derramar.
Deus nos livre, Deus nos guarde:
Da mula sem cabeça
Nas noites de quinta-feira
Do lobisomem da noite
Com sete províncias a correr.
Da arbitrariedade
De quem tem o dever de zelar
Dos atos de improbidade
Pois muito faz atrasar.
Da dor que custa a passar
Se o remédio não pode chegar
Do choro forte de uma criança
Que ainda não sabe falar.
De uma ponte a cair
Estando alguém a passar
De um penhasco a ruir
Se casa existe por lá.
De uma casa a pegar fogo
Se tiver alguém por lá
E se for de palha
Pois ninguém quer comprar.
Da noite de escuridão
Se não se sabe como chegar
Dos malfeitores da noite
A matar todos por lá.
De quem vende o nome de Deus
Pra se locupletar
De cometer este pecado
Pois não será perdoado.
Dos crimes dos traficantes
Que querem a todos drogar
De chorar a dor de um filho
Que do tóxico quer se livrar.
Das asperezas do tempo
Que chega sem avisar
Do calor do sertão
Que fica a desidratar.
Da chuva forte que cai
Que leva tudo pro mar
Do rio logo secar
Pois não fica o que pescar.
Nos ares aqui e de lá
Pois aqui eu me livro dos males
Da pane de avião
Pois logo chega no chão.
De uma enchente feroz
Pois na correnteza tudo a boiar
De uma tromba d’água
Derretendo tudo que há.
Do veneno da agricultura
Que na fruta botam ao cuidar
Do leite lá do sertão
Com água a misturar.
Da fome e da sede
Se nada há pra saciar
Do êxodo rural
Se não tem onde trabalhar.
De um boi encaretado
Com mulher de saia justa por lá
De carne contaminada
Na venda aqui do mercado.
Da queda de um avião
Sem ter para-queda pra salvar
Pois a dureza lá do chão
Fica a todos esperar.
De político sabidão
Que a todos quer tapear
Da lei casuística
Pra poucos agradar.
De um amor por interesse
Que o golpe do baú quer dar
Dos amigos só do poder
Que logo vão debandar.
Do perigoso terror
Que a todos impõe o pavor
De uma guerra entre nações
Que herói é quem mata e morre.
Da briga com faca e facão
Pois tem sangue derramado no chão
De revolver e pistola na mão de idiota
Que logo o sangue brota.
Deus me livre e me guarde
De pensar e dizer o que não devo
De fazer coisa errada
Pois assim não dá pra perdoar.