...Verbo reflexo.

Nunca fui poeta.

Poeta é quem se serve da palavra,

Quem a usa como quem na pedra crava

A arte rebuscada do dizer,

Intuindo de forma inteligente

A forma do sentir

De toda a gente.

Nunca fui poeta.

Para mim foi sempre fácil diluir

Nas tintas que me foram sangue e rio,

Os sentimentos da minha própria fonte,

As lágrimas da minha própria dor,

Sem esforço de artista,

Sem pinga de suor.

Dizem que ser poeta é mais que isso,

É estar acima de si mesmo:

Erguer-se ao universo,

Erguer o verso

À dimensão de ser infinito,

À precisão sábia do escopro,

À abrangência de ser pão,

Ao sacramento de divino sopro

Que transforma o bruto sentimento

Em lapidadas peças de arte pura,

E excelência de plural emoção!

Erguer-se universo,

Erguer ao verso

O trivial chilreio das manhãs,

O riso e o que lhe fica por detrás,

A lágrima e a história que a precede,

A razão que, sofrida, às vezes cede,

O erro que não serve de desculpa,

O perdão que faz da máscara a própria culpa!

Sair de si mesmo

Para ser palavra pura,

Impoluta e livre,

Como quem está acima de quem vive!

Eu…?

Eu não sou poeta!

Os escritos com que teço o meu sudário

São restos que me sobejam da alma

E, simplesmente,

Trabalho em transe singular,

Como quem é instrumento e relicário

Das palavras que se dão por se querer dar,

Só por acaso,

E não por caso de engenho,

Sequer porque eu as queira dominar…

Não sou poeta.

Poeta é quem usa a palavra.

A mim são as palavras que me abusam.

Em apertado amplexo.

Tão cruel como meigamente,

Tão fel quanto mel corrente.

Me conjugam...