O Vôo do Carcará

Eu vi caldeiras em chamas flamejantes

Derretendo sentimentos descartáveis

Metralhadoras nas mãos dos miseráveis

Eu vi milhões de navalhas sobre o chão

Um rio de sangue expelido de um vulcão

Capitalistas no sangue se afogando

Então eu vi o carcará passar voando

Sereno e frio sobre todos a planar

Vi cachoeiras vomitando óleo diesel

Eu vi o impermeável se afogar

Uma panela de dinheiro a cozinhar

Rodeada de crianças desnutridas

Eu vi a mãe pelos filhos extorquida

Eu vi um mar fervente borbulhando

Então eu vi o carcará passar voando

Sereno e frio sobre todos a planar

Eu vi a última flor ser mastigada

Por um porco que andava em duas patas

Enquanto bebia uísque e dava cartas

Tal qual eu li na obra do inglês

Vi mil coriscos rasgando o céu de uma vez

Eu ouvi as engrenagens estalando

Então eu vi o carcará passar voando

Sereno e frio sobre todos a planar

Eu vi um deus gritar em cada esquina

Eu vi a culpa perder o seu valor

Então senti que passava o meu temor

Senti que não haveria diferença

Que era apenas mais uma transcendência

Eu vi a natureza se acalmando

Então eu vi o carcará devorando

O último homem ainda a agonizar.

(Elber Mota/ Saulo Avelino)