o poema inútil
escrevo-lhes um poema inútil.
minha inutilidade extrema
cadencia
um poema,
muito embora seja inútil.
mas do que diz um poema inútil?,
da sensibilidade precisa da nossa inconcisa inutilidade?,
ou seria um poema oco
que não dissesse nada?,
um poema alienado.
mas se o poema há de dizer alguma coisa
ele é um argumento, não um poema, e não sendo científico,
é um argumento sem forças teóricas
e, portanto, é um poema vazio
que não diz nada
e quer ser útil,
é estulto e não inútil.
dissesse em modos surrealistas, meu poema inútil,
e não tivesse método
e fosse ainda em verso livre,
que não tivesse metro,
e que não tivesse rima,
rimar escafandro com a epistemologia do meandro
é impropício demais
se é só um poema inútil.
que consumasse em si toda a inutilidade do mundo,
todas as grandes inutilidades do mundo,
e, sendo filosófico,
destinasse-lhe dez páginas discorrendo sobre
a concomitância da inutilidade
do mundo;
concomitância?, parece-me estranho,
palavra mal empregada,
fica mal aos olhos da gramática,
mas não importa,
o poema é inútil.
devia acabar com a palavra cu,
ninguém notaria,
é-lhe inútil o palavrão,
mesmo porque só pessoas inúteis o leriam até ao fim,
só elas saberiam que é tudo inútil,
que amar com utilidade é interessar-se pelo prático,
unindo útil ao agradável,
e não lhes agradaria mais do que um poema inútil
que no fim não tivesse finalidade alguma
que não a de ser inútil,
somente inútil,
(para ser declamado em voz alta
inutilmente
olhando estrelas).
que de tão inútil
fosse absolutamente inútil,
inútil,
meu poema inútil.