SUBTERFÚGIOS - DÉCIMA PRIMEIRA E ÚLTIMA PARTE

Um dia compreendi-me,
Permiti-me, perdoei-me.
No inverno aqui, então,
É sempre possível ter abrigo
E conseguir algum perdão.
Posso, por isso, fazer de meus ideais
Confete coloridamente janela afora,
De ousadias mundanas
Aspirando a imunidades.
Lanço-os, a Deus ou ao Diabo,
A qual levar primeiro.
 
Vejo-o bem desta janela
Quando o irreal,
Por puro delírio,
Se aproxima do real.
 
Vivo do que faço!
O que me mata
É aquilo que não faço.
Para que duas metades,
Se o que uma metade faz
A outra ignora?
Se o que a outra faz
O seu par odeia?
Ah, como é feia
A feiúra feita alheia!
 
Levanto-me incontinente,
Atiro à janela, ao vento quente,
Todo o meu pecado original –
Não preciso mais dele!
Só resta no copo da Vida
O último gole, mas longo,
E nem preciso de minha amante
Pálida, frívola, a Perfeição –
Buscar outros confins que vão!
 
Noto que amanhece.
Começa a ver, este tolo,
A essência das coisas –
Esnoba um carro novo Apolo.
 
                                                           15.06.85

OBS: este poema é de 1985. Apenas na década de 90 a FORD lançaria o seu modelo Apolo. Obviamente, no último verso houve uma inversão e a forma direta seria "(o deus) Apolo esnoba um carro novo".