reflexão sobre a morte I
quando o tempo esquecer-se de mim,
e esquecerá, assim como esqueço-me das horas
e me perco em pensamentos redundantes,
então serei eu entre as coisas
como se eu as fosse elas e elas me fossem todas
num só corpo, e o universo será meu.
quando o tempo esquecer-se de mim,
e esquecerá,
planta rosas por sobre essa minha matéria fútil
e espadas-de-são-jorge
e planta folhagens que se deitam longas, como se dormissem profundas,
como se chovesse à tarde depois do almoço,
e planta flores simples como aquelas que os campos guardam,
delicadas como um banho de bebê e esse cheiro macio que exala contente
e não sabe que é contente,
me deita sob a simplicidade congênita do mundo
e serei fértil com ela, e amante
como se deitasse um beijo nos seios nus de uma ama-de-leite
boa e macia.
e assim nascerei,
nascerei de cada ramo em espírito e verdade
e terei um jardim que cultivar e admirar nas tardes de frio,
e quando for noite, dorme-dormes anoitecerão comigo,
e quem sabe um crisântemo acordará outros mortos
em suas despedidas de verão.
por fim, diz que aquele jardim cuida um homem
que em vida chorou de lágrimas brancas,
poeta sem lira
e morreu de tristeza.
(27/11/2004)
este e outros poemas do autor fazem parte da obra "Esquizolira e Desalinho" publicada neste link:
http://perse.doneit.com.br/paginas/DetalhesLivro.aspx?ItemID=669