menino morto de portinari
suspenso no ar
voa o menino morto de portinari.
o cadáver árido da terra
figura a crença
do absurdo lírico dos meninos de brodósqui.
outros meninos brincam de ainda ser criança em outras partes do
[universo,
mas aquele menino particularmente
não era uma criança,
era um amontoado vermicular de fome no estômago
e dois bracinhos nervulentos que buscavam abraçar o peito baço da
[esperança
depois de vomitar esfomeadamente o pus dos intestinos
e encharcar a terra da vontade do leite,
do pão e da aguardente.
os dentes podres
roíam as próprias cáries suspensas, e salivava alguma coisa que não
[era a saliva,
mas também a vontade da saliva lambuzava a língua e os beiços
e o coração pequenino, que encolhia à medida que cessava o sonho de
[encontrar a terra fértil,
os meninos de brodósqui,
onde corre leite e mel
ou talvez algum desembaraço, algum bagaço, alguns bocados de
[verdidez de chão
e o chão batido da casinha com panelas.
suspenso no ar
voa o menino morto de portinari.
não escolheu morrer,
morreu,
fatidicamente morreu de gula, penitência e alheamento.
quando exposto aos olhos
as pessoas que olhavam calaram,
mas quem cala consente,
e seis meses depois, a menina que chorava aconchegando a cabeça
[dele entre lágrimas dentuças, morreu de aflição enquanto a mãe
[rezava uma ave-maria
pra jesus,
cheios de dor,
os outros se recolheram em fissura de ilusão,
mas a ilusão, fatidicamente, não existe.
não existe.
não existe.
não existe.
não existe.
suspenso no ar
voa o menino morto de portinari
enquanto o seu corpo busca agonicamente compreender o que seja a
[morte.