As minhas divindades

Partes de mim se separam em

verve e em indolência,

a provocar-me,

como num dueto dissonante.

Somos eu e minha contraparte, desconhecidos

da paz de mim mesmo,

fosse eu um só ente,

e houvesse em nós um consenso.

Sou cria do embate entre

o ego e o alter ego,

o certo, o incerto

(essas vozes dogmáticas,

dialéticas).

Permeio com igual desenvoltura

as paragens do meu céu

e do meu inferno,

e ambos me querem bem,

embora não lhes prometa fidelidade.

Um dia, em resposta a uma casualidade trôpega,

fomos chamados à presença

de um deus escolhido a esmo

pela inconsciência delirante.

"Dê-me um de vocês a razão

para julgá-los

e julgarei um

e salvarei o outro".

Partes de mim se ajoelharam,

partes de mim mostraram-lhe um dedo.

E o deus de alhures,

alimentado pela inconsistência

da minha sobriedade,

deixou soltar um grito mórbido,

e morreu ele mesmo,

arrebatado,

pela minha dupla divindade.