João Caetano (payador solteiro)

Amealhei confortos, também contornos ao meu corpo.

Os anos passaram ao toque do tempo.

Não desejo essa consciência a ninguém, nem ao valoroso amigo.

Que por andar destemido, assim como foi comigo, ficou só.

Ainda moço, longe de ser butiá em caroço, num final de dia.

Atrelei na aranha um que era fruto de uma façanha.

Me larguei pra estação Rio Branco, antes que findasse o dia.

Cortado de fome e saudade, não sabia o que me esperava.

Apeei na praça da catedral no rumo da porta principal.

Par e passo desci da charrete como manda o ritual.

Tudo o que eu mais amava enlaçada em uma fita.

Era coisa dita e proclamada, tu mais que amada, bendita.

Bombacha frisada, guaiaca lustrada, sem o avental.

Na porta me esperava o bispo ou cardinal.

Não me leve a mal, se não descrimino, gazeei o catecismo.

Só sei que trajava preto e o quepe era de general.

Eu quase rouco de implorar, varei o dia.

Via meu corpo desejar aquele corpo.

Atravessado em meu caminho.

Era eu o corpo e o padre franzino.

Na decisão tomei rédeas do destino.

Fui saindo de fininho batendo nas porqueira.

Fiz de conta, uma asneira, que tinha esquecido algum papel.

Ainda ouvi o tilintar de um anel, naquela imitação de galo.

Fiquei batendo os calo antes de girar o sovéu.

Fraquezas todo animal tem, com o humano igualmente.

Feito de carne de gente, quando os calor nos aflora,

Não há aurora que resista. Antes que o sol desista.

O mundo já amanheceu diferente.

Me tapei descontente sem muito alarde.

Fiquei com fama de covarde, não podia ser diferente.

Na porta da igreja, cheirando a esterco de potro.

Não tive a coragem dos outros, refuguei, no final de tarde.

Com o pé no estribo, as botas afiveladas, aos gritos de, vamos eguada!

Os dedos não sentia, tamanha era a aflição.

Havia prometido meu coração e pronto pra entregar.

Não tive medo, só um disparate.

Me larguei pro abate.

Não vi missa ou celebração.

Amanheci na vila sossego, por cima de uns pelego.

Nas posses de outro coração.

Touro é touro até que se prove o contrário.

É difícil hoje em dia, parece produto de antiquário.

Mas sem delongas. Para o sujeito comprometido.

Muito menos que um alarido, um cheiro ou ocasião.

Para que lhe roubam o coração, basta muito pouco.

Foi o que sucedeu.

Troquei o papel passado por este chão colorado,

Esse manto azul estrelado,

Que foi o que deus me deu.

Já dizia seu Gumercindo Tapeado.

Dono de um boteco ali no Cadeado.

O índio deve ter seu lugar, sua devoção.

Uns pila pra fazer frente a alguma precisão.

Tratar bem o indivíduo, o animal de estimação.

Evita apetrecho dourado, pois chama fama de veado.

Uma mulher pra lhe fazer um costado

Mas ai, a viver maneado, é outra situação.

Aprendi com a vida que sujeito aquartelado e

Animal no cercado é como chumbo sem provisão.

O criador fez o guasca pra andar no mundo.

E quando passo por igreja, não descuido.

Sempre pela porta dos fundos.

É simples minha filosofia. Não precisa muita opinião.

O sujeito distinto, concebido nos conforme.

Mesmo que o caldo entorne tem que ter posição.

E neste aparto de pensamento, lhes digo,

Casamento foi feito pra ciumento e mendigo.

O casado na maioria é criatura afortunada.

Estreou no mundo com pompa e circunstância,

Mora n’alguma casa, tem gado no pasto, tem estância,

E na gibeira um ninho de cruzeira pra espantar as esperanças.

Esses, lhes digo, dependem dos mandamentos.

Se garantem nos documentos e no papel assinado.

Tão preso ao presente, não valorizam o passado.

Não basta uma oração pra abençoa,

Dependem da presença do delegado.

Não há que se conceber um vivente isolado.

É como um anzol iscado no seco, a espero do dourado.

A falta de sol e de vento no peito do vivente.

Lhe encurta a vida, lhe deixa impertinente.

Já se passaram muitos anos desta investida.

Não esperem arrependimento.

A decisão deu o rumo o dia foi instrumento.

E fui curando feridas, com o passar do tempo.

Depois desses anos, não vou faltar com a verdade.

Sem maldade, nunca vi um padre, bispo ou general.

Mas vestida de branco na porta principal,

Umas três, que eu contei, me esperavam.

Não sei se foi feitiço da hora cerimonial.

Então alguma ajuda celeste espiritual.

Até ali cheguei, mas como um potro ruano,

Mudei meus planos quando vi o buçal.

Fama de covarde já me deram.

Disseram que de mulher tenho medo.

Pois digo, não tenho segredo, mulher é bicho difícil.

E conheço muitas, cada uma com seu enredo.

Tem de todo o tipo, arisca, faceira, tem até traiçoeira.

Aquelas que passam longe de qualquer sacrifício.

Mas também tem morena caborteira, facinha, ligeira,

Tarequeira, doutora, professora em seu ofício.

Não sou homem sem profissão.

Não será uma certidão que mudara meu testamento.

Eu sei, as vezes um guasca precisa de documento,

Pra varar uma averiguada.

Mas lhes digo, não há patrão que obrigue.

Nem que refaça os meus planos.

Me chamo João Caetano. Filho do seu Milito.

Assim como foi com ele, está escrito.

Também vou morrer solito.

(Pela despedida de solteiro de Vinícios Bala)