Descansos

Reuni todas as memórias do que fui

quando vim - eu mulher - desnuda ao mundo.

Refiz com grafite cinza

do crematório de todas as minhas mortas,

o esboço do ser mais completo

em memórias,

antes que o processo de poda principiasse.

Por quantas mortes passei

carregando esse fardo do ser sensível, resignado e maternal?

Quantas fogueiras queimaram meus sonhos?

Quantas pedras levaram às profundezas meus dons mais intuitivos?

Quanta cavalaria da Inquisição pisoteou meus desejos mais íntimos?

Marcos de las muertes chiquitas

povoam minha caminhada.

Ontem, agora, de ora em diante

a guerra por terras férteis de SER

é uma constante.

Avanço como se a forquilha do herege

não me esmagasse a essência.

Tropeço,

levando,

reúno pedaços,

ressuscito à desintegração.

Achadouros povoam minhas convicções

guardando um sem fim das preciosidades mais vitais.

A ginga,o batuque,

ciclos da lua,

tonalidades de sol,

o me tocar de mato,

a poesia que me presenteia,

são o retrato falado mais íntegro

daquela que um dia foi

e um dia tornará a ser.

La loba vive nalgum lugar

à espreita de um retorno -

imponente e definitivo.

E as deusas todas dizem aho.

Inspirado no livro MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS - Mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem, de Clarissa Pinkola Estés.