POÉTICA À ESTADUALIZAÇÃO

Amanheceu e um sol insiste.

Dai-NOS!

Apenas o fundamental Direito à primeira inspiração

Ao que eu chamarei vida provisória,

Só provisoriamente, é claro!

E com todo respeito que nos é outorgado,

Vos revenciarei em agradecimento profundo

Para todo o sempre.

O meu sempre sempre será

em poética vazia

E verso livre,

O que vos é de legítimo merecimento.

Eu vos explico:

É que poesia é como genética:

Sai das entranhas,

Sempre fielmente aos genes atávicos

Que a circundam e a alimentam.

Vamos lá!

Quantos deuses absolutos, meus senhores!

Senhores bondosos de todas as causas...

As dos chapéus e as com os chapéus alheios.

Dos alheios ao todo e ao tudo...inclusive.

Bato palmas às vossas inépcias,

Mas nos reverencio aos súditos,

Ainda que na resiliência

Que nos declina.

Ah, nobres saudações!

Aos nossos Senhores travestidos do poder do nada

Mas do Direito ilegítimo de nos levar o tudo nosso...

Ratos eleitos e sobreviventes da sucata humana

Praga corrompida e corruptora das células mortas

Em anaerobiose...

Espalhada por todos os arredores da Terra abatida.

Dai-NOS!

Mais um fundamental Direito imperdoável:

O de abrir os olhos para um novo dia que chega

Trôpego e temeroso

Orquestrado no submundo das orgias.

Pulverizai o todo,

Só por descuido limitado de tempo!

Todos os ares...

ainda que com as letras dum alfabeto selvagem

Fonemas em grunhidos ininteligíveis,

Autoantropofágicos,

Os da lingüística inconsciente massiva.

Mas advirto-vos:

Ficai sempre atentos aos desgarres das dores...

Os dos gritos das vozes mudas,

Para não correi o risco

De que, das palavras inaudíveis,

Surjam inadvertidos milagres do pensamento

Como o de se a adubar a terra fustigada

Com ícones milagrosos de recivilização.

R-E-C-I-V-I-L-I-Z-A-Ç-Ã-O!

Do tudo que agoniza.

-Oxigênio, por favor!

Dai-NOS!

Apenas um bilhete de ida

Para a breve humanidade passageira

Da vida que passa suada e imperceptível.

Aos meios-dias

Abri os refeitórios sobre as calçadas

Das invisibilidades

E ofereçei todos os restos da vergonha

Às vossas fomes pungentes e crescentes!

Fazei as sestas das vossas batutas refesteladas

E dos vossos abdomens esteatóticos

Alimentados da flatulência fermentada

Na miserável carcaça alheia.

Depois descansai eternamente

-mas só uma trégua ao momento, por amor!-

O vosso hábito contumaz

De degenerar o meio.

À noite,

Ungidos de vossas bondades incessantes,

Preparai as camas dos seus "iguais"

Amontoados pelas ruas.

Acendei os aquecedores de todos os frios

Que tiritam vossas gentes.

E depois...

Dai-NOS!

Um último direito ao Direito escurecido:

O da vida em insistente pleonasmo,

No Direito de adormecer escura,

No breu da escuridão

Que passa orquestrada,

Alheia aos sonhos mais profundos.

Ah, sim...

E , por misericórdia:

Ao menos

Não atrapalheis os pesadelos

Que vivem e lutam em sono eterno.

Como último e ousado pedido:

Nunca vos esqueçai de trancar

As portas dos vossos infernos.

Para que vossos próximos púlpitos

Imunes sejam a todos os rescaldos

dos corrompidos chãos ardentes que vos erguem,

E, assim, sempre impunes,

Podei sobreviver ilesos

À surreal poética de todos os vossos mortos.

Por fim,

Lembrai-vos sempre de discursar em "deus".

Sempre haverá quem vos acredite.