FOME

Fome não é ausência.

Fome é alerta,

é preenchimento,

é a resposta da violência,

em alto e bom som,

por dentro.

Ausência é quando você não está

aqui,

é a letargia,

fingir alegria,

e não se importar

com os famintos:

nas ruas, nas esquinas, nas praças,

pedintes, carentes, sem dentes...

Fome é desespero de viver,

é não poder escapar,

é ter que enfrentar seus interiores.

Fome é um tormento

sem remédio,

é o contrário do tédio.

E onde há fome,

o desespero é a lei do cão.

Porque a lei é para o

humilhado

que não tem pão.

A corte permanente,

com suas togas romanas,

com seus ternos bacanas,

janta o banquete

do molho pardo,

do chouriço,

de multidões ciganas.

Brasil, mapa da fome,

onde quem come

é a rica Simone;

e quem não come

não tem nome.

Abrir um outro mapa

outro Brasil

mesma terra

mesma gente

um Brasil sem fome

um Brasil em que cada um

possa ter um nome.