CAPITALISMO SELVAGEM

De sol a sol, de chuva a chuva, na plantação laboraram

Do semear até a colheita, muitas luas se passaram

A família deixou o sertão e foi de encontro às lavouras do sul

Queriam mudar de vida e chegando lá eles trabalharam

Sem descanso, intervalo, sem direito apoderado

Sob condições sub-humanas e jornadas exaustivas

Persistiram no sonho. A vida há de melhorar

De pesar em pesar, admira aquela família a fartura que a terra dá

No leito amargurado, chora o pai, e chora a mãe

De tudo que plantaram, de tudo que colheram, de toda fartura vista

Ficou poeira nos sapatos, calos nas mãos e pesar no coração

Não se contavam os filhos pelas camas, pelas cadeiras,

Pelo tamanho da mesa, nem pelo que havia por cima dela

Contavam-se os filhos nos dedos, e eram muitos

Contrastando em volume com o que faltava na despensa

Que despensa? Só havia na casa um cômodo

E nele todos se acomodavam

Sob a mesa pequena não havia nada, não havia grãos a cozer

Feijão a debulhar, não haviam raízes, não havia enlatados

Havia no entanto uma coisa, olhares e olhares

A fome subira estomago acima, não estava mais lá

A fome estava nos olhos e eram olhos grandes

Olhos famintos, esbugalhados e atentos

A espreita de quaisquer movimentos, aguardavam ansiosos

O barulho dos pratos. Mas não havia barulho. Não havia esperança

Só havia fome. Miséria. Estatística.

Oh, sim! Mais uma família virou estatística

Números apurados, contados e anunciados

Deixaram de ser gente, viraram estatísticas do Estado

E agora que não são mais gente, haverá alguém a interceder por eles

São apenas números, somados a outros números

Tão gritantes e alarmantes que mais parecem um punhado do inferno

E voltaram a tornar-se estatísticas

Da fome, da miséria, da seca, e das enchentes

Dos mortos, dos feridos, dos que viraram assassinos,

E dos que foram assassinados

Que fim mais cruel e desolador. Anúncios de jornais

Chamadas em boletins televisivos, viraram entretenimento

Viraram questões de prova, viraram nada, uma brisa leve

A soprar de tempos em tempos,

pras bandas do norte, pras bandas do sul

As estórias da lavoura grande e farta

Que virou pó na sola do sapato, outrora nos pés descalços

Daqueles que ali ajudaram, trabalharam e laboraram

E nada levaram, nada, nada, nada

São as faces de um Brasil errante, que escraviza teu povo novamente

Dessa vez, porém, em volta não recebem a comida em troca

Recebem farelos pingados de um salário que não sustenta

São os culhões do capitalismo selvagem enriquecendo a alta burguesia

Que para fazer ricos não só precisa fazer pobres

Precisa fazer miseráveis

Caroline Campos
Enviado por Caroline Campos em 14/12/2016
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