QUADRO VIVO
Na parede fosca dum museu
A tela do tempo conta a nobre História
Do Homem, pela antítese do tempo e das armas.
Lá fora a cena histórica é tela viva, muda e carnal.
Pela janela lerda do que não passa nunca
Uma multidão vagueia néscia de si, desnuda
Numa procissão de agradecimento
pela tragédia que passsou...
Sem tempo contado, sem destino sonhado.
É o dever cumprido, o do existir pelo não porvir.
O sagrado ato de mais uma vez ressuscitar sem vida.
A fumaça adentra as narinas sangrantes
Das vias obstruídas pelo ópio sagrado,
enquanto alguém tira os pós dos patéticos museus...
O pó sequer assentado nos nobres sempre sem causas!
Aquela imagem, só mais uma...
Uma luxuosa rainha de natureza morta.
Sua cena transfixa a janela do tempo:
Lá fora,
Uma mosca zune sobre a ferida deambulante pelo nada
e cai desoxigenada de vida pelo odor emanado
de tantos e mesmos abandonos.
Pagará caro por isso...por cair no chão que nunca é de todos.
Gente igual, bando de trajetórias relegadas
pela mesma gente igual mas de insípidas telas,
sem arte alguma deixada para se velar com glórias.
A quem gentes alimentam através das suas dádivas
de vidas mortas por todas as causas.
Ossos poróticos e expostos às fomes gritam
pelo silêncio mudo dos que ainda esfarelam sonhos.
Um pincel se molha no sangue sem nome da calçada.
Mais um traço abstrato, indecifrável, ininteligível
Delineia a arte mais triste que ninguém consegue ver.
Ninguém lê a tela viva que se estatela nas vielas mortas.
Outro corpo tomba na mesma arquitetura
das dimensões sem perspectivas de janelas;
E sobre o impressionismo dum pincel quiescente
nasce mais um esboço do que nunca foi, e nem será.
A noite, cansada, então cai flagelada de dor
como o combalido corpo
duma primavera vindoura sem nemhuma flor.
Nem o milagre duma aurora boreal
Iluminaria tamanha aquarela surreal.
Da tela das sisudas coroas de sempre
Um olhar impassível atravessa a janela do tudo,
Ao infinito obtuso dum museu de loucos,
fora do alcance dos olhos absolutos.
O museu é a vida que corre:
Quadro vivo desenhado pela morte
do amor que nunca floresceu.