Réu

A vida não chega através da TV

Muito menos pelos jornais ou pelos livros.

A vida vem na boca do povo

Nesta língua gostosa

Errada

Português do Brasil.

Vida urbana e cotidiana.

Mais um dia comum,

Monótono e rotineiro.

Chega de reflexões

Dessa sintaxe brasileira.

O dia entra pela janela

Obrigando-me a sair da escuridão do quarto.

Filosofia ultrapassada.

Então me levantei,

Preparei o café,

Tomei,

Arrumei o funcionário público,

Peguei o livro de expediente,

Saí para bater o ponto,

Com minha vida fechada à espera.

Desviei dos buracos no asfalto,

Atravessei as poças lamacentas,

Esperei o sinal abrir,

Pensei nas manifestações de apreço ao senhor diretor.

Viajei nos pensamentos...

Pensei no PIB do país,

Nas cotações da Bolsa,

Nos cartazes: "Não há vagas!"

Na selva que virou as cidades.

No salário mínimo

Que minimiza minha vida.

Nas greves generalizadas,

Nas subordinações sindicais

Na falta de estrutura básica,

Na corrupção desmedida,

Na inflação da cesta básica.

Bato o ponto,

Acompanho as notícias locais,

Nada de mudanças,

Arquivo a realidade.

Fim do expediente,

Fim de um dia comum de hoje,

Início amanhã do hoje de hoje.

Chego em casa,

Assisto o Jornal Nacional.

Acompanho a propaganda política,

Os engravatados do poder de persuasão.

A cesta básica não diminui o preço

Só diminui a quantidade na mesa.

O preço do feijão não cabe na cesta,

O arroz,

A carne,

As frutas,

O gás,

O telefone, etc...

Estoura o orçamento.

Me deprimo,

O fim do mês está longe,

O dia de aço.

É, meus caros, a vida é dura

Quando o salário é de fome.

Deito-me,

Esqueço o dia de hoje,

Esqueço a dura realidade.

Penso humildemente na vida,

Preparo-me para o dia comum

O dia de amanhã...

Não sei quem tem culpa,

Mas deve haver um réu...

Infelizmente, o réu é sempre o cidadão comum.

Escrito em 2013.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 14/01/2015
Reeditado em 28/01/2015
Código do texto: T5101923
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