Poema de efeito moral

POEMA DE EFEITO MORAL

(Sobre a greve dos professores da rede estadual, em Maio de 2000)

“’Stamos em pleno mar”

Assim inicia Castro Alves

Seu grito de revolta,

No poema O Navio Negreiro.

O que diria então

Se estivesse presente

Nesta tarde de 18 de Maio

Do novo milênio?

“Era um sonho dantesco”

Na mais paulista das avenidas

De um lado os carros de som;

De outro, os carros de polícia.

De um lado gente, faixas, apitos;

De outro, cavalos, cachorros, fuzis.

O gás lacrimeja os olhos

Na explosão da bomba,

No grito de revolta

Contido pela tosse

E as pernas tropeçam

Em outras tantas pernas

Que correm apressadas

Mas a voz de comando

Soa mais forte

Que a bomba:

“Companheiros, voltem.

Não se dispersem.”

“Ouviram do Ipiranga

As margens plácidas,

De um povo heróico

O brado retumbante”

As lágrimas escorrem

Pela face,

E o grito contido

Atravessa a tosse

Pois a dor

Não é pelo gás nos

olhos

Nem pelos estilhaços

Nas pernas

Ou o cassetete

Nas costas

A dor que dói no peito

É a dor de não poder falar,

De gritar e não ser ouvido

Covardes, assassinos.

(Nova explosão)

As pessoas correm, assustadas.

No céu, helicópteros;

No chão, soldados.

E eles vêm, perfilados,

Marchando e atirando

Contra a multidão

“Companheiros, voltem,

Vamos seguir em passeata

Até a Praça da República”

“A praça é do povo”,

Disse Castro Alves.

Não é mais, poeta.

Tiraram-nos a praça,

Tiraram-nos a rua, a avenida,

E querem tirar-nos a vida.

Mas não há bomba de gás

Capaz de nos cegar os olhos

E de nos calar a voz,

Pois a greve continua.

Rogemar Santos
Enviado por Rogemar Santos em 08/07/2011
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