Goiás Velho

Os sussurros da aurora, em sua aragem,

navegam acima do Rio Vermelho,

provenientes do alto das colinas

e do interior das matas

e chocam-se contra os campanários das igrejas,

cujos sinos festejam

o nascer de um novo dia...

As asas azuis

da grande ave matinal

estendem-se sobre a cidade

de Cora Coralina,

em descida leve,

mansamente,

maciamente...

O dia de cristal resplandecente

paira por entre os becos

-- onde a voz do vento se multiplica

em ecos

e vai também levitando

sobre os paralelepípedos,

rodopiando meio perdida,

até achar seu destino

cotidiano e certo:

a aconchegante

Casa da Ponte, e lá

dar bom dia à Senhora Poesia.

Os passantes, nativos e visitantes,

nem notam o tempo passar

e ir-se embora

na direção do Oeste,

para onde voa a ave solitária,

tracejando com as asas um oscilante vê

no cetim encarnado do papel de seda

celestial...

O tempo goteja

suas horas

em cima da Cruz do Anhanguera,

dali espalhando-se por todo o cenário

da cidade-patrimônio,

por sobre a qual agora

maciamente adeja

a gigante ave da escuridão...

Cá embaixo, o escriba

aprecia o casario antigo e as pessoas,

enquanto é levado pela multidão

e pelo galopar altissonante

durante a Procissão das Tochas...

Nesse momento, os dedos vacilantes

da dona da Casa da Ponte

vão colocando docemente em versos,

na pele datilografada do papel,

o nada trivial do que é o existir ali.