CARCAÇA DE PICOLÉ
Fui jogado não por que quis
Alguém ocupou meu lugar
Fiquei desempregado
Sem teto para morar
Meu futuro por um triz
Quase ficou estancado
No sinal da esquina parado
Fui apresentando ao culpado
A sociedade golpista
Que como vermes oportunistas
Ficaram com meu bocado
E em mendigos trasformados
Os que brincam com a sorte
Pulando entre os veículos
Separados por blindados vidros
Meninos limpadores atrevidos
Esperando por algum vacilo
Da fila de carros passantes
Para o roubo anunciar
E a qualquer momento
Outro corpo vai tombar
Só assim o sofrimento
Faz a sociedade do bandido lembrar
Blindados e resistentes
Sentados em bancos de couros
Ricos de um lado, do outro carentes
Em buscas de tesouros
Não se olham, nem se sentem
Compartilham a mesma hora
Tudo isso embora
o mundo continua compondo
Essa poesia da fatalidade
Que transforma crianças em calamidades
Vindo do útero da comunidade
Por falta de oportunidade
Para a vida reproduzir
Silêncios na boca do cano
Estampido à sair
Anunciando um corpo caído
Na calçada a esculpir
O fim dessa jornada
Dos gritos não mais ouvir
Uns com medo, outros com vergonha
Uns atentos prós vacilos
Outros perplexos gemidos
Se escondem da própria morte
Com essa faca afiada
Preparada para o corte
Do fio da navalha
Que o corpo extraçalha
Peças de carnes no chão
Pintando de vermelho o asfalto
Do sangue jorando do assoalho
Do Auto de infração
Correndo sem direção
Para o lugar indeterminado
Que não sabe ele onde é
Até o dia que encontra
O cheiro do queijo armado
Virando carcaça de picolé
Indigente na geladeira mofado.