Divino Pai Eterno

Divino Pai Eterno

 

- Carlos, hoje quero ir ver o pai,

- Ah, o pai ganhou um vizinho rico,

tem ate placa de ouro com seu nome!

Passa aqui a tarde...

- Verei nosso pai pela primeira vez

em sua derradeira morada

 

- E como está Chicago, brother? 

- Está bem, uma linda cidade, muito o que se ver e fazer por lá.

- Um dia ainda quero ir lá te visitar…

- Cuidado Carlos, quase passou no sinal vermelho!

- Verdade!

- E como foram os último dias de nosso velho guerreiro?

- Ah, você o conhece bem, ele não quis nada de luxo,

apenas um caixão simples de madeira bruta

e aquele terno que você deu pra ele.

- Você precisava ver a alegria dele quando falava de Chicago…

- Oh, cidade boa, um frio dos diabos no inverno, mas a neve… A neve é muito linda,

parece conto de fábulas!  Dá vontade de comer aqueles bloquinhos

branquinhos que vão caindo la do céu. O pai adorava ver a neve e eu também,

ele tinha toda razão, é mesmo muito lindo!

- E o terno de linho azul que ele tanto falava?

- Ah, aquele terno tem historia pra contar…

- Me conta então, mano…

Cuidado, quase bateu naquela vaca! Tadinha dela...  Deve ter pulado a cerca de alguma fazenda, 

- Nada... Ela vive por aqui mesmo, sempre na rua, e vai pastando pela beira da estrada.

- Lembro-me muito bem do dia em que compramos o terno de linho azul, a cor preferida de nosso pai. Saímos do Barracão, onde foi nossa alegria e nosso inferno... Investimos tanto dinheiro, e tantas horas de trabalho duro, renovamos tudo, e quando tudo estava um brinco ou uma joia como o pai dizia.  Eu fiquei enfermo com os químicos que usava na restauração de antiguidades…Que coisa mais triste, pai e filho derramando lagrimas sofridas, e carregando as máquinas e ferramentas, era o fim de nosso Barracão… Que foi galeria de arte, palco de música ao vivo, marcenaria completa e morada do pai, ele adorava o Barracão... Ficou uma parte de nós dois, de pai e filho lá naquele Barracão da Iiving Park Road em Chicago… Saímos mais cedo do Barracao, e fomos fazer umas compras, o pai estava vindo pro Brasil Passamos por uma loja, um Brechó e o pai disse, pare o carro,

- Por que, pai?

- Barbudo (eu) acabei de ver um terno azul de linho lindo ali, olha lá! Gostei tanto que tomara que seja meu número, pois com esse que eu irei embora daqui…

- Ah sim... Pai, vai com ele lá pro Brasil, Birigui???

- Também, mas esse eu já escolhi pra ir comigo pra debaixo da terra.

Silencio… Por alguns minutos, enquanto estacionava o carro, nenhuma palavra…

Pra mim, uma espécie de alerta…Nossa, um dia esse dia vai chegar, e as lágrimas embaçaram meus olhos…Achei uma vaga, enxugo as lagrimas, limpo os óculos. Meu pai todo feliz, ainda me diz:

- Não fique triste, meu filho, a morte não é coisa ruim. Todos nós iremos um dia…

- Sim, meu pai, mas não tem como não ficar triste.

- Eu sei... Para alguns é mais difícil, mas eu vejo a vida e morte assim: Vivi bem até hoje.  Tantos altos e baixos, alegria e tristeza, mágoas, algumas brigas e  discussões, inclusive entre nós dois... São coisas da vida, mas eu sempre fui um homem feliz, apesar de muitas vezes não parecer.

- Verdade,  pai, tivemos tantos momentos felizes, tanta coisa fizemos juntos. Uma discussão aqui e ali, não mataria ninguém, ne???

Entramos na loja, meu pai se derrete com a grandona americana como ele disse, e experimenta o terno azul de linho.

- Já é meu! E quanto è??? 

Antes de se dirigir ao caixa ele diz:

- Pera ai, tem outro igualzinho ali, esse vai ser para você barbudo!

- E o pai comprou um terno igual pra mim.

Éramos muito conhecidos em Chicago devido ao Barracão  porque sempre havia festas e fazíamos shows com música ao vivo, e também pela nossa arte. Móveis lindos  e de madeira maciça… Muitos artistas mostraram seus trabalhos em nossa Galeria de Arte.

 

Cônsul brasileiro de Chicago nos convidou pra uma festa em sua casa, já que havíamos feito uns móveis e esculturas em madeira pra ele. Dia da festa, la esta pai e filho…

As madames dizendo:

- Sérgio, como seu pai é bonito e elegante! Ele tem muito bom gosto pra se vestir. E os cabelos dele, e os seus também, como são lindos! Ele tem muito cabelo, ele pinta ou são naturais?

- Ah, meu pai pintar cabelo, até parece! (Risos) Tudo natural!

- Mas ele não tem um fio de cabelo branco!

- Sim, sempre foi assim.

No meio da festa o cônsul amigo pede silêncio e diz em voz alta que iria fazer um brinde a dois artistas que estavam na festa…Todos olham para os lados, inclusive o pai e eu.

- Um brinde aos Gonçalves, estes dois grandes artistas que vieram prestigiar nossa festa. Estes móveis, estas esculturas foram eles que fizeram…

Nossa que emoção! Tanto o pai como eu caímos em lágrimas de alegria. Que coisa mais linda, um brinde desses, jamais será esquecido…

- Chegamos, mano. É aqui a nova morada do pai.

- Vou estacionar ali embaixo daquela árvore, na sombra. Fique aqui no carro que vou perguntar lá dentro onde é o ap do pai.

E Carlos volta e diz:

- É ali, estamos bem pertinho.

Bem típico de nosso pai, de todas as moradas, a dele era a mais simples… Ali parado em pé, olhando minha sombra em cima da cova, ou AP, como Carlos diz de nosso pai querido.  Silêncio total…

Toda uma vida, nossa vida foi passando em minha mente como se fosse um filme, e tudo tão rápido e tão lento ao mesmo tempo, como se fosse em câmera lenta… Parecia que eu estava ali por muito tempo parado, vendo minha sombra em cima de meu pai, que estava lá embaixo da terra. Foram minutos que pareciam uma vida inteira… Fazia muito calor, um Sol de rachar mamonas como nosso pai costumava dizer… Após alguns minutos de puro silêncio, Carlos me diz:

- Olha só o vizinho rico do pai, parece um castelo! (Risos)

- Verdade, o pai não deve ter gostado nada disso. Tão simples como ele sempre foi, agora ter um vizinho rico… Mas conhecendo bem ele, deve estar dizendo, pensando assim:

“-Ta vendo  só? Você com toda sua riqueza vir morar pra sempre do meu lado com toda minha pobreza… Não tem diferença na vida, pode até ter na cabeça de alguns, mas no final, todos vem aqui pra debaixo da terra…Seja bem vindo meu querido vizinho rico.

Administrador e coveiro do cemitério chega e diz:

- Boa tarde, alguém da família?

- Sim, nosso pai.

- Ah, o do terno azul de linho?

- Sim ele mesmo…

- Tanta gente rica que “vive” aqui e seu pai ganhou de todos no quesito luxo… (Risos). Daqui a um ano vamos ter que remover seu querido pai daqui…

- Por que, perguntei?

- Aqui é  um cemitério publico, e os hóspedes so podem morar aqui por três anos…

- E depois dos três anos? - Perguntei.

- Os ossos são retirados pra dar lugar a novos inquilinos.

- E pra onde ira nosso pai?

- Provavelmente pra boca dos cachorros…

- Como assim?

- Ah, é tanta gente que não dá pra ficar achando lugar especial, os ossos são jogados no lixo e  os cachorros tomam conta…

- Mas o que podemos fazer pra que nosso pai continue morando aqui? 

- Tem que pagar três mil reais…

- Fechado, volto pra Chicago, vou trabalhar, e mando o dinheiro pra que nosso pai fique por aqui mesmo.

- Toda esta parte de grama e terra será cimentada…

- Por quê? – Pergunto.

- Porque há uma epidemia de escorpiões, já mataram muita gente por aqui, inclusive um de nossos coveiros…

- Ah, entendi…

- Verdade! Lá na casa da mãe, já vi um monte de escorpiões…

- São extremamente venenosos!  Diz o coveiro (administrador).

 

Na volta pra casa da mãe, Carlos dirigindo, parecia que eu havia tido um sonho. Não sei se pesadelo ou apenas um sonho… Não consegui falar por uns trinta minutos.

Carlos percebeu e ficou em silêncio por algum tempo, e me disse:

- Mano, não se preocupe, o pai teve uma vida boa... Veja só, morreu, ou foi embora como ele dizia, com oitenta e seis anos. Viveu uma vida saudável ate os oitenta, e pra falar a verdade, só ficou bem ruim no final de sua vida…

-  Na minha última visita, né?

- Sim… Assim que você, Mara e os filhos da Mara foram embora, o pai nos disse:

- Eu também tô indo...

- Ele estava preparado  - Disse Carlos -.  Um dia antes de sua partida, ele me chamou. Estava muito fraco e falando bem baixinho,  disse no meu ouvido:

- Carlos, eu tô indo, amanhã eu vou… Pegue meus livros e leve lá nas instituições de caridade… Não deixo fortuna nenhuma nem dinheiro algum pra vocês… Mas,deixo minha lealdade e honestidade, também passei alguns conhecimentos… Leve adiante juntamente com seus irmãos e meus netos o pouco que aprenderam comigo. Eu estou bem, não estou triste, chegou minha hora e eu tenho que partir…

Por Sergio Goncalves

Birigui, 29 de Janeiro de 2016  16:30

Sergio Goncalves
Enviado por Sergio Goncalves em 26/04/2016
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T5616544
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