Sobre a consciência batendo na porta (e eu aqui, fazendo ela esperar)

Penso,logo existo”: equação fora de moda em toda parte,descartada a la Descartes.

“Pareço, logo sou”: fim do espetáculo, ninguém aplaude…silêncio sem eclodes. Era só o Debord cabisbaixo, meio de bode.

Enquanto pensava em um novo mote, campainha toca e vem alguém.

Consciência bateu, veio me ver hoje. E ah, ela se vestia tão bem. Ia fingir pestana, simular sono, quem sabe sonhos…olhos cerrados fixados no olho mágico: Deixei entrar. Não aguentei.

Nunca fui de me preocupar com muita beca ,muito brilho, mas fora a embalagem,até que o conteúdo era bem parecido comigo.

Aquele terno tão impecável, e eu aqui tão maltrapilho, trajando traços e rabiscos, erros e acertos…era tão confiante que eu fiquei com medo de mim, mesmo comigo.

Não sabia direito o que pensar da minha consciência, mas por mim ela pensou…pois bem.

Se era eu,acho que eu era ela também.

Ajeitou a gravata, nó forte, duas ou três tossidinhas na glote, e se pois a falar:

Resolvi ouvir,vai. Deixei.

Dizia:

“Oratória,dicção, postura…vestimenta que impressiona, que ostenta.

Carisma inigualável,risada cativante, sorriso inabalável, voz ressonante…

Presença onipresente. Ou…pelo menos,que aparente. É o que necessitas. Tenha isso em mente.“

E eu aqui com aquela camisa havaiana tão labiríntica(e tão mal-lavada!) do Réveillon de sei-lá-quando cheirando tequila, aroma tipo naftalina embebedada depois de sei lá quanta bebida.

Acho que simboliza todas minhas péssimas decisões. O cabelo emplastado, mezzo Menudo mezzo Ramone, era o que o faltava: A cereja do bolo era aquela juba desgraçada.

Era o ápice do quanto eu não tava em posição pra argumentar com esse meu alter ego tão elegante…se a consciência tinha tanto pra dizer,eu tive que escutar, fiquei quieto, atento no semblante.

O Discurso era tão bonito, e mesmo com prática difícil, talvez ela merecia sim uma chance, aquele eu mesmo sem minhas mesmices, aquele sujeito homem, que de tão focado cessou de tagarelices.

E depois de sorrisos.

E depois de amigos.

E depois de um muito de tudo,ficou só um pouco de mim…o que é isso?

Pera aí. Já não sou eu.

Obrigado pela visita, consciência. Agradeço os conselhos, e respeito muito sua paciência.

Mas você,e só você, desacompanhada de todos meus defeitos, já não é bem-vinda aqui.

Chama o instinto, liga pra imaturidade ,reúna todos meus medos,bate um fio pros meus erros.

Quero sinais de fumaça pra todas minhas incapacidades vagabundas!

Envie uns vinte ou trinta telegramas pras todas minhas lamúrias!

Procure bem todas minhas mentiras e segredos a vontade, tão escondidos por aí, em uma ou outra verdade.

Na próxima reunião a gente chega num consenso, prometo.

Ah, manda um salve geral pra todas as vezes que eu fui fraco, que eu perdi a calma.

Tem que vir todo mundo, não esquece! E que não falte ninguém.

Só assim a mais ilustre convidada aparece: Só assim a alma da gente vem.

Paulo Orlando Iazzetti
Enviado por Paulo Orlando Iazzetti em 26/12/2020
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