DO OUTRO LADO DAS MONTANHAS ESVERDEADAS

Enquanto repouso a cabeça de um jeito um tanto que desconfortável... descanso a carcaça já esgotada e cochilando vou ouvindo os aços pesados das rodas do trem atritando os trilhos – na certeza de que agora estou indo para o caminho certo, para o meu destino: do outro lado das montanhas esverdeadas e divagando entre fragmentos de devaneios e parca lucidez de minha existência, descubro que sou o resultado final da soma e de todos os produtos, de todos os resultados, o “x” tão procurado. Sou fruto de todas as experiências vividas e aquelas experimentadas pela metade e as que eu não vivenciei e gostaria de ter vivenciado e as que por um lapso deixei passar.

Sou o resultado de todo o tempo pretérito. Sou corolário do traquejo: dos que contaram falácias, dos que abraçaram com vontade, dos que souberam amar e os que não tiveram paciência para o amor, dos que choraram o luto, se vestiram de negro, sou o fim dos espelhos estilhaçados pela vergonha de si mesmo, dos que dançaram na chuva, beijaram as flores, riram de seus defeitos, namoram as estrelas. Sou reflexo dos que vieram, acrescentaram, aplaudiram, encheram a taça exageram e derramaram e se foram e se perderam, e se esvaíram, e que, por fim, esqueci ou talvez deixei algum rastro na memória. E assim, descubro que os trilhos faz parte do meu destino e por isso são perfeitos! Sim perfeitos, são células de minha vivência, das minhas escolhas...são parte de mim, porque sou parte do todo.

À medida que o trem viaja e o ponteiro no relógio corre, o vidro da janela embaçado pela neblina preenchida por pequenas e imperceptíveis gotículas de água me permite desejar essa paisagem aquarelada em tons de folhas esverdeadas que levemente balançam nos galhos das arvores verdes em todos os tons possíveis de verdes. Percebo então que nada está errado e que nunca esteve nada errado, nem o tempo apressado marcado pela ampulheta, nem as tentativas de amar o que não pode ser amado, nem o quadro que não chegou ser finalizado, nem a bebida que ficou na garrafa e que envelheceu, nem a vela que se derreteu, nem a flor que na sequidão murchou... nem a folha que se desprendeu da arvore e foi levada pelo vento. Não... não está errado, nunca esteve: tudo está em seu lugar, tudo foi milimetricamente organizado, projetado, cada coisa colocada no seu devido lugar, cada palavra, cada gesto – tudo organizado! Errado estão nossas falsas ideias sobre o que deveria estar certo, mas mesmo nossas falsas ideias são certas, porque inerentes a nos, então também estão perfeitas, em suas loucuras, mas perfeitas e estão em seu devido lugar, onde sempre deveriam estar...como no jogo de xadrez o Rei toma xeque porque deveria tomar...é assim mesmo: embriagando, ganhando e perdendo...a vida vai nos alcançando e vamos brincando no tabuleiro. E talvez seja por isso que repouso sentido lá de fora perfume do orvalho que adentra timidamente como uma brisa molhada pelos vãos do trem. A viagem continua e eu e meus pertences na mala, vamos costurando o vácuo dessa imensidão em busca de nada, apenas esperando a estação azulada, para que eu possa esquentar-me com um café, ler o noticiário da nova cidade, alimentar os pombos quem sabe, flertar a moça do bilheteria, fazer poemas de tristezas, de amor, comprar um novo chapéu, fumar um cigarro e beber um pouco – conhecer alguns loucos por aí...simplesmente porque nada está errado, antes tudo está no seu devido lugar, desenhando e projetado milimetricamente, não está fora do que deveria estar...lá do outro lado das montanhas esverdeadas lá vamos nós!

Eliezer Teodoro
Enviado por Eliezer Teodoro em 28/07/2018
Reeditado em 28/07/2018
Código do texto: T6402373
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