SOMOS O RESUMO DO MUNDO

Esse fogo que queima

E o coqueiro que da côco

Não é poesia

É pleonasmo

Pois sou também o fogo que arde

Do sol amarelo vertical à pino

De Van Gogh elucubrando a tarde

Sou o canoro poente vespertino

Sou a coluna do quasímodo andarilho

Da pele sequiosa de nutrientes

Sou a mão do assalto do gatilho

Que dispara ódio lentamente

Sou a marca na pele das pessoas

Que definha frente às horas

O tilintar de cada ponteiro que ressoa

E envelhece com o passar das auroras

Sou a melanina do trabalhador que se adapta

Ás intempéries da chuva e do sol

Sou a lâmina malanoma que ceifa e rapta

Como quando se ceifa um girassol

Sou o prédio que se ergue no lugar da praça

Sou o muro de Berlim que se encerra

Sou o fim da personificação da ameaça

E o início da notícia da nova guerra

Sou a batalha do predador da selva

A fome da matilha quando erra

Sou a semente que germina na relva

O início da vida e o fim da terra

Sou os dedos perdidos do Aleijadinho

Construindo Jesus ao calvário

Sou também a cruz, a coroa de espinhos

E o ódio disseminado e hereditário

Sou as mãos dos caboclos escravos

Sou o rastro infinito da idade média

Sou a servidão de quem trabalha por centavos

Com arreios, cabrestos e rédias

Sou a flor que brota e fura o asfalto

Notada na mirada de Drummond

Sou a vida que resiste em sobressalto

E as pétalas coloridas sem tom

Sou todas as gotas de chuva ácida

A queimada que maltrata o solo

Sou o manar da cascata plácida

E a nascente da água em seu colo

Sou o mofo atávico do sarcófago

O cheiro das coisas velhas inúteis

Sou o brado de Oswald antropófago

E a beleza incolor das coisas fúteis

Sou a batalha na faixa de gaza

A criança soterrada pela explosão

A marca de bala perdida na casa

Sou o ensurdecedor tiro de canhão

Sou a violência da luta ovacionada

Pelo sangue que jorra na platéia

Sou a virulência intolerante disseminada

Tornando babel o que fora Pangeia

Sou a testemunha ocular do holocausto

A prova viva dos dias de horror

Sou a lágrima estéril do infausto

Sacrificado pelo estopim do desamor

Sou a Rosa natimorta de Hiroshima

A Little Boy desferida pelo império

Sou a desmesura do que está acima

Que semeara esse mar de cemitério

Sou a pior seca ainda porvir

Sou a boiada frágil e mirrada

Do doente sou a sede de existir

E o casco da embarcação naufragada

Sou a gruta escura do misrério

O vazio razo, tênue e profundo

Sou o centro e o pólo do hemisfério

Sou todas as dores e amores deste mundo.