Criança de sorte

Apenas uma alma a mais.

Outro trabalho, isso é tudo,

sem descanso, jamais.

A morte eu presumo?

Manto negro, olhos brancos,

frio e sinistro. Fim de resumo.

Morte eu sou pequenina,

mas, enxergar-me? Não deveria.

Fantasma invisível, alma que jazia.

Ora! Apenas enxergo!

Não me perguntes coisas difíceis.

Diga-me, irá levar-me para o inferno?

Inferno? Já não sei, não é papel meu.

O Trabalho acaba no beijo frio,

o resto, é com Deus!

Tenho medo sabe,

queria viver mais…

Ah! Maldita calamidade.

Enxerga-me, isso intriga.

Você ver-me assim,

usa alguma magia?

Magia? Eu? Mal terminei a escola,

Alias, quatorze eu faço hoje. Sabia?

Onde está meu presente? Entregue sem demora.

Presente pequenina?

Nem sequer sei seu nome!

Vamos, diga-me senhorita!

Sou Emanuela, prazer.

Morte eu presumo ser o seu?

Fácil, fácil de saber.

Emanuela então.

Prazer, morte está certo.

Presente? Espere um momento, sem sermão.

Ah! Para onde vai? Sumiu assim.

Parecia fumaça no vento.

Buscar um presente foi para mim?

A noite piou mais um pouco, o vento soprou mais um pouco, e tudo, tudo voltou em tão pouco.

Desculpe a espera querida.

Aqui, segure. Para você,

presente de despedida!

Uma flor tão bonita!

Como chama?

Uma rosa, cravo, margarida?

Nenhuma delas suspiro.

É especial essa uma,

nasce no caminho para o paraíso.

Uma flor dos espíritos?

Assim posso chamar?

Não foi mal dito?

Nem um pouco pequena.

Chame como desejar,

presente seu, sinta-se uma alteza.

É bem agradável!

Para ser assim a morte,

sabe, pensei que seria, menos amigável…

Longe disso garotinha.

Apenas busco o que já não mais aqui serve.

O mal, não é obra minha.

Engano meu, e de tantos mais.

Então resumindo,

mal nenhum faz?

Exato, exatas palavras.

Apenas busco quem precisa descansar,

pequenas e simples almas desgastadas.

E hoje veio a minha ceifar?

Presumo, aqui agora…

Chegou minha hora de somar.

Infortunadamente sim minha criança.

Mesmo que não queira,

devemos acompanhar a dança.

Eu gosto de dançar!

Estava pensando,

quer comigo uma última vez bailar?

Bailar, agora?

Bom, seu aniversário. Por que não?

Dê-me a honra, senhora?

Apesar do que dizem, tem mãos quentes.

Diga-me, o que mais mentem sobre você,

desminta histórias indulgentes.

Foice alguma carrego.

De longe pareço-me um crânio.

Também, tenho jeitos singelos.

Fato, um cavalheiro!

Bailamos pelo meu quarto,

um divertido rodeio.

Bom que gosta!

Conte-me, medo não tem?

Vendo minha entidade desposta?

Verdade seja dita, eu já esperava, medo não tinha.

Sabia que pela janela apareceria,

jeito de convite a tinha.

Esperava-me de alma e corpo?

Mal vejo sua alma,

apenas, sorriso, olhos e rosto!

Minha alma está descansando.

Sinto-me um pouco tonta.

Já podemos parar negro manto.

Como desejar pequena princesa.

Devolvo sua graça à cama?

Ou descanso a mesma na cadeira?

Deixe-me na cadeira, o dia todo já passo deitada,

sentar um pouco será bom.

Com leve cuidado, Obrigada.

Em meu rosto colocou um sorriso bem forte!

Veja pequena jovem,

está papeando na calada com a morte.

Parece até um sonho estranho.

Sequer imaginava que hoje,

minha vida, iria para outro plano.

Pesa levar sua alma pura.

É jovem, e bela e gentil,

lembra, de longe a lua!

Suas palavras lembram as estrelas.

São fortes e calorosas.

Sinto ser a sortuda derradeira.

Diga-me, deseja a vida?

Sobra em sua alma um pingo da esperança,

ou apenas apaga, como uma criança entristecida?

Sonho na vida com certeza!

Desejo sim viver, como queria viver,

mas, choro em pensar que não tenho tal avareza…

Por que sonham em continuar?

Não entendo dos humanos à vontade em viver,

tantos praguejam o fim e tudo acabar.

Sonho com meus sonhos, desejos.

E tanto queria realizar um por um.

Por fim, fico aqui e entristeço.

Como é sonhar?

O que é sentir a sensação?

Como é dormir e devanear?

É viver uma realidade, que não é a realidade.

É sentir tudo como existe,

sem nada ser verdade!

Parece confuso…

Digo, nunca sonhei ao menos.

Como será que disso faço uso?

Nada que deseje existe?

Quando fecha seus olhos,

não há uma ideia que insiste?

Quando fecho meus portais,

vejo apenas branco.

E nada mais.

Não tem um pingo de sonhos?

É meio vazio, admito…

Muitas vezes, são eles, dizem quem somos.

Mas, então,

quais são os seus?

O que enche seu coração?

Meus sonhos?

Tenho vários para contar.

Se tiver tempo, conto. Todos, todos!

Abro agora uma pequena exceção.

Vamos, comece, conte!

Escutarei todos, com atenção.

Penso, penso, claro, tão fácil!

Já viu que gosto de bailar.

Linda bailarina. Em tais condições, é difícil.

Um de seus sonhos, um cisne ser?

Lindo lampejo,

um bom anseio para viver.

De fato, aqui, tenho outro!

Na escrivaninha, o caderno em vermelho?

Poesias, meu lindo tesouro.

Com essas pequenas mãos singelas,

o futuro aguardaria uma poetisa?

Palavras como o sol, luzes amarelas.

Um sonho mais… Deixe-me pensar…

Engraça-me, esse sono de repente.

É o prelúdio? Tudo está a acabar?

Receio que sim,

Guarde as lágrimas, princesa.

Sorria, sorria. Conte-me seus sonhos, antes do fim!

Importa-se de minha mão segurar?

Pode assim, ser estranho,

Afinal, não tenho para onde escapar.

Problema algum,

De minhas noites solitárias,

Encontro aqui mais um…

Mais um? O que encontrou?

Algo especial?

Tão diferente assim sou?

É, de fato!

Encontro aqui, mais um final triste.

Mais um, caminho do destino de fim ingrato.

Ao mesmo que seja triste,

sinto-me bem, deixando tudo aqui.

A tristeza, a dor, com isso, nada mais persiste…

Tão pesadas palavras.

Para tão pequena criação.

É tudo o contrário de um conto de fadas.

Falando em fadas, agora a pensar,

Um de meus sonhos.

É o pequeno gosto de voar!

Voar, como os pássaros?

Em você? Longe disso.

Seria mais, como o voar dos anjos!

Olhe bem negro manto,

Agora quem coloca um sorriso é você.

Tirou minha ânsia de pranto…

Posso um favor pedir?

Estende-me a mão Emanuela?

Darei talvez, outro motivo para sorrir.

Ela é toda sua, aqui, segure.

Agora, curiosa estou,

Sem ideias, nem um leve vislumbre.

Disse-me, que um dos sonhos é voar,

aqui, segure bem forte.

No fim ao menos, um deles posso realizar.

Voar? Consegue de fato?

Já não sinto o chão!

Isso é ainda mais que fantástico!

Vejo que está a gostar.

E vejo também, um sorriso.

Mas anseio, esta prestes a acabar…

Entendo… Entendo…

Aqui estou ao menos, não solitária…

Nesse leve flutuar, sereno e lento.

Perdoa-me por sua vida levar…

Não há nada que fazer eu possa,

Apenas, o meu triste papel de ceifar.

Tudo bem, não o odeio.

Penso de fato, exatamente todo o oposto.

Obrigado pelo passeio.

Por nada pobre criança.

Agora, peço…

Concede-me uma última dança?

Claro, apenas um pedido…

Abraça-me?

De repente, é como se o calor tivesse apenas, desaparecido.

Abraço-te, sem problemas…

Agora feche os olhos…

Agora, durma, apenas…

Impressão minha, ou com sorte…

Isso que vejo?

Uma lágrima, dona morte?

Ouço bem? Dona morte?

Há quanto tempo assim não sou chamado…

Presumo Emanuela, é uma criança de sorte.