Anímico
Há momentos em que tenho saudade de inexistir;
sempre faz falta o algo que em alguém faltava.
Quando era apenas sonho e meu corpo não ocupava espaço:
tempos que me foram roubados com o passar dos dias.
Não precisava buscar abrigo, muito menos tentar me esconder.
Meu eu que não era, mas que tinha mais sentido.
Vazio transbordante que me completava
e me mantinha em um estado mais meu que hoje.
o tempo...tempo? nem sei o que fizera.
Talvez habitara em algum sonho,
percorrendo as infinitas estradas da imaginação,
e ali permanecia até abrir os olhos.
Era bem menos doloroso para mim:
estar sem ser visto
Ou ser visto sem estar.
Indiferente à solidão, vaidade ou a qualquer sentimento.
Quando fui apenas plano era bem mais entendido,
embora o ventre que viria me gerar
houvesse terminado o enxoval afetivo que me receberia,
a semente nem sequer havia sido plantada.
Estradas não precisei percorrer,
fardos não tive que carregar.
Não pertencia a passado, ao futuro, ao presente…
Meu tempo era não precisar tê-lo.
Era chuva quando queria,
desaguava-me em rios e oceanos.
Corria pelos telhados e me deitava
em estradas e guarda-chuvas.
Era irmão da noite e do dia;
fui nascer e também pôr.
Atravessava descampados longínquos
e repousava no seio da terra.
Saudade de quando não fui vida;
era apenas véspera de ser:
avesso da morte,
Imatéria.
Talvez tivera sido vento nos dias de tempestade,
brisa nas manhãs calmas de inverno,
ou então calor expirando seu hálito quente:
numa descompromissada vocação de ser o que quiser.