Anímico

Há momentos em que tenho saudade de inexistir;

sempre faz falta o algo que em alguém faltava.

Quando era apenas sonho e meu corpo não ocupava espaço:

tempos que me foram roubados com o passar dos dias.

Não precisava buscar abrigo, muito menos tentar me esconder.

Meu eu que não era, mas que tinha mais sentido.

Vazio transbordante que me completava

e me mantinha em um estado mais meu que hoje.

o tempo...tempo? nem sei o que fizera.

Talvez habitara em algum sonho,

percorrendo as infinitas estradas da imaginação,

e ali permanecia até abrir os olhos.

Era bem menos doloroso para mim:

estar sem ser visto

Ou ser visto sem estar.

Indiferente à solidão, vaidade ou a qualquer sentimento.

Quando fui apenas plano era bem mais entendido,

embora o ventre que viria me gerar

houvesse terminado o enxoval afetivo que me receberia,

a semente nem sequer havia sido plantada.

Estradas não precisei percorrer,

fardos não tive que carregar.

Não pertencia a passado, ao futuro, ao presente…

Meu tempo era não precisar tê-lo.

Era chuva quando queria,

desaguava-me em rios e oceanos.

Corria pelos telhados e me deitava

em estradas e guarda-chuvas.

Era irmão da noite e do dia;

fui nascer e também pôr.

Atravessava descampados longínquos

e repousava no seio da terra.

Saudade de quando não fui vida;

era apenas véspera de ser:

avesso da morte,

Imatéria.

Talvez tivera sido vento nos dias de tempestade,

brisa nas manhãs calmas de inverno,

ou então calor expirando seu hálito quente:

numa descompromissada vocação de ser o que quiser.

John Canere
Enviado por John Canere em 09/03/2016
Reeditado em 17/06/2021
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