Hoje a porta não quis fechar

Hoje a porta não quis fechar, como se esperasse mais alguém sair, e pareceu não entender quando eu disse que sairia sozinho, bateu contrariada e resmungando

Os passarinhos já não sabiam bem o que tocar quando me viram, estavam todos desconcertados, como se alguém os tivesse pedido para tocar o que não haviam ensaiado

As árvores e o vento cochichavam conforme eu passava, sem jeito de vir perguntar o que houve, como se não fosse costume ver-me sozinho pelas sombras

O sol saiu sorridente de trás das nuvens, como se viesse me cumprimentar, e deixou transparecer o espanto de não encontrar mais ninguém

Quem não me conhecia passava por mim sem nem me olhar nos olhos, como se evitassem me conhecer, guardando para si o desconforto de me ver sozinho na contra-mão

Quem me conhecia não estava ali, como se Espiga tivesse perdido sua estrela primária

E eu os respondia a todos, aos pássaros, às árvores, ao vento, ao sol, às nuvens, essas que viviam ameaçando chorar, e até às pessoas que passavam por mim aos montes, eu os respondia em silêncio, tentando não lhes causar mais nenhum tipo de desconforto, tentando não perturbar mais ainda o mundo que chacoalhava, que quase colapsava ao me ver daquele jeito, eu respondia as perguntas que nenhum deles tinha coragem de fazer

Apesar de todo o desconcerto causado por mim ao mundo, cogitei não voltar para casa, precisar encarar aquela porta sozinho era assustador, e não encontrar ninguém do outro lado dela era aterrorizante

O desconforto do mundo era reconfortante, pelo menos alguma coisa me dizia que as coisas não estavam certas como estavam

Pedro Paz
Enviado por Pedro Paz em 17/04/2018
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