DRÁCULA

Sentou-se triste, olhando a triste lua

Que no poente expõe-se sem sentido

À uma estaca a encravar-se em pele nua...

Um brado agonizante fez-se ouvido,

De angústia e de tristeza inomináveis

Qual cão que sendo morto ousa um grunhido

Que torna a dor e a morte detestáveis;

E assim ardendo em pranto, e condenado,

Sucumbe ao escárnio e ódio intermináveis...

...

O sentimento avulta e, transtornado,

Do sol fulgente, a face ele oblitera

Em um caixão soturno onde, deitado,

As trevas, do seu corpo, se apodera;

E oculto permanece à luz do dia

Esperando uma jovem que sincera

Não tema entrar na triste tumba fria,

E por as mãos na tampa, que lacrada,

Venha ascender o amor que ali ardia.

Na solidão, a lúgubre morada

Onde não teme expor a sua vida:

Os erros e os pecados que, na estrada,

Revelam, desse conde, a vil ferida:

O peito transpassado por trapaça –

No leito, a traição foi desferida.

E assim dormente, os lábios em mordaça,

Não crendo mais no amor ou realidade,

Clama aos céus que desfaça essa desgraça...

...

Nasce o dia. Os algozes da cidade:

Sacerdotes, de um torpe magistrado,

Que em mil faces pervertem a verdade;

Enviam ao demônio o condenado

Por amar e querer, em sua vida,

Um amor que seja eterno e abençoado.

E a turba ignorante e enlouquecida

Ouve atenta a mentira descarada:

- Um demônio vos quer roubar a vida!

...

E essa louca matilha esganiçada,

Crédula de mentiras e de fábula

Lança-se embrutecida, na caçada,

Querendo o rubro sangue desse drácula

Que recluso e fechado em seu castelo

Não sabe que o amor é sua mácula.

E a turba, cada um com seu cutelo,

Água benta, uma cruz e falsidade

Querem dos céus a bênção pro flagelo.

...

A lua nasce e rompe a escuridade

Da tumba em que ele gélido adormece,

Trazendo-lhe mortiça claridade:

Um pouco de fulgor ao que padece.

A tampa do caixão é iluminada

E um raio dessa luz, pura, lhe aquece

O peito onde a ferida está estampada

Em rubra cor – o sangue em sua pele;

Tornando a cruel dor amenizada.

À luz da lua, o amor brada e o impele

A buscar outra vez essa utopia

Que lhe queimando a alma o compele

A buscar quem o livre da agonia,

E faça-se com ele uma só alma

Sem temer fazer da noite o seu dia.

Repousa sobre a tampa a rósea palma

Que chamando o convida para a vida

De amores em que goze a doce calma.

Mas logo chega a turba enfurecida

Destruindo o amor puro e sincero.

Tornando a rósea palma embranquecida.

E assim no coração o que era vero

E puro, foi rasgado e estrangulado

Pela turba e a maldita mão do clero.

E na cripta o caixão é abandonado

E clama a turba com ódio e furor:

- Onde, aquele maldito aqui deixado?

Mas ele, já distante e sem temor

Tendo o seu ser, sincero e transparente,

Olha ao céu: uma estrela em resplendor

E a lua se despede no poente.

Foi-se o inverno. E chegada a primavera!

Se não hoje... Há de ser eternamente?

Procura em vão fugir dessa quimera.

No peito uma esperança: a fria estaca!

É o último desejo que quisera...

“Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.”

Moses Ben ADAM

Ferraz de Vasconcelos,

Mq., In. 09.05.2009 – Tm. 13.05.2009 - 02h45