O DESERTO E A CHUVA

Deserto gélido no peito

Minha alma é fogo seco,

Chama que o vento da angústia faz tremer, mas não apaga.

Olhos de areia que nada vêem.

Quando foi que extorqui o sangue de minha veia, quanto tempo tem?

Desejo de mim, de soltar-me

E exilar a todos da solidão lotada que me massacra.

E àquela que me ama e me aconselha

E que quase tem raiva da minha dor

Explico, com o mesmo amor:

Não estou sendo dramática nem me enredando no espinho sem ver a flor.]

E não preciso daquela sua velha sugestão sobre me olhar num espelho afável,]

Pois não me interessa agora a beleza que dizem que dança em minhas faces.]

Espelho meu, liberta-me, e põe tua graça naquela longa valsa,

Que há tempos embala os passos nos salões dessa vida em falso.

Sou um belo pássaro na gaiola dourada dos meus sonhos –

Sonhos lindos demais para não se tornarem grades.

Sonhos em cárcere, cela, célula de doces enredos aprisionados.

E tornam vil e opaco o teatro da realidade...

Onde está o brilho diamante da minha alma, o alarde

Vá reluzir para o mundo através de olhos cheios de mim!

Meu choro sai suavemente, orvalho de estrelas

Alforriam-se de mim que as escondi por detrás da Esperança – fiel mucamba,]

Cuja companhia já não suporto mais. Escrava,

De corpo extenuado pelo labor nas terras minhas

Operária do maior vigor.

Mas o que esperar se até a Esperança

De costas condoídas ameaça me faltar?

A um amigo eu diria: não anseies jamais por uma vida

que necessite da esperança como um pincel precisa da cor.

Sinto-me como um cristal nobre e gracioso, poupado.

Guardado à míngua do licor, empoeirado.

Em prateleira de adornos de valor, enclausurado.

Em minha aclamada superioridade, sinto-me frágil como o cristal...

O cristal que se pergunta que evento o faria pelas mesas se exibir

E quem a catá-lo se em alguma delas se quebrar. O elixir

Que não sabe se substituirá na jarra o pó do medo,

Nem em que cálice o vinho espesso, coagulado pela sobriedade, servirá.

O vinho, a seiva, o sangue, tão distantes

De um coração cuja batida é choro que ouço agora,

Choro errante, entrante, uivante

Chuva tórrida no peito.

A Helena
Enviado por A Helena em 04/03/2018
Reeditado em 28/03/2018
Código do texto: T6270841
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