HÁ UM VERSO

Há um verso mudo em mim

atormentando meu silêncio

e tentando devorar-me o sim

do não que luzes me acende.

Há um verso retorcendo palavras

na água que abrolha recordações

e verte rios no peito que deságua

em doces rebojos de emoções.

Há um verso sentido na vida

que ensina o caminho a seguir

derramando dores na fera lida

e no tempo que para a carpir.

Há um verso que a rima adensa

e deve ser trabalhado a cada dia.

É arte laboriosa que compensa

e dá ritmo e compasso à maresia.

Há um verso rondando o abismo

no intento de atirar-se no sem fim

e romper-se em cacos e rabiscos

e nas brasas pintadas de carmim.

Há um verso preso em labirintos

construídos pelo artífice desamor

onde o retraído desejo que sinto

é minotauro que mata-me de dor.

Mas há sempre um verso perfeito

nas andanças métricas de pés aflitos.

É aquele que deambula insatisfeito

nos corredores dos ébrios matizes.