UM SORVO DE MIM

Em frações, pelo mundo,

Deambulo.

Em gérmen, pelo submundo,

me acasulo.

Em gotas me sorvo,

Em luz me disperso,

Em cacos me explodo,

Em pó me despeço.

Sou antagônico,

Polissêmico,

Irônico,

Heterogêneo.

Meu ser é mutante

Ora revolto como tormenta

Ora plácido como arcanjo

De alma agourenta.

Meus pés palmilham frestas

Perdidas num tempo perdido

Dos ângulos, retas, arestas

De caminhos desconhecidos.

Sou plasma do homem no universo

Sou maçã temperada com pecado

Sou sujeito simples e controverso

Sou redenção e amor crucificado

Sou Caim que lavrou a morte de Abel

Sou Abel, cordeiro imolado por Caim

Ando sedento de Ser nesta Babel

Antes do decreto divino de meu fim.

Sou resíduo de barro do homem alfa

Que, em Gênesis, viveu sua epopéia.

Sou extensão do homem primata

Que evoluiu nas asas da genética.

Sou quase um ser refratário

À procura de um oportuno álibi

Que ressignifique sofrido itinerário

Da culpa que me absorve e me invade.

Por isso, sou este ser deveras diverso

Por vezes, de sacros pensamentos,

Outras, profanos, de vis tormentos.

Sou ósculo vadio e o verso anverso.

E dessa comprida vida apenas anseio

Um pequeno sorvo do saboroso néctar

Que transforme esta sina tão diversa

Em banzeiro manso de doce devaneio.