Desenharam-me, desenhei-me

Dizia Clarice* que conhecer era impossível...
foi por isso que tentaram desenhar o menino.
Na tentativa falha e indefinida,
ficou o vazio a ser preenchido pelas escolhas da vida.

Tentam desenhar-me a todo instante.
Pintam o real em tons de realidade.
Eu mesmo me desenho,
modelando meu desejo, com a cor de outras vontades.

Perguntam-me quem eu sou,
respondo dizendo o que faço.
Incongruências? Digo que não...
talvez eu seja uma cópia do sonhado.

Se rabiscam meu esboço,
renasço deformado,
se tento desenhar-me
aproximo-me do moldado.

Nas páginas brancas da vida,
nenhum lápis pinta a verdade.
Desenharam-me enquanto me desenhava,
e se vê os rabiscos desconcertados.

Colaboro, como o menino de Clarice,
afinal, sou humano inacabado...
minha tentativa neste fim,
é aproximar-me, o quanto antes, do que é fadado:
a ser eu enquanto desenho, ou eu real idealizado.
* Clarice Lispector - Conto: "Menino a bico de pena" - 18.10.1969
 
Fábio G Costa
Enviado por Fábio G Costa em 10/08/2015
Código do texto: T5341184
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