SENIL
Tive um pesadelo terrível:
Nele, eu estava velho;
a cabeça como tocha acesa
e, no peito, os pelos todos prateados.
A pele ressequida sobre a carne fraca
já não era mais a proteção do corpo;
chagas abertas convidavam os germes
a se unirem, em minhas entranhas, aos vermes
ali já existentes,
aguardando apenas meu último
Suspiro...
Em vão tentava alimentar-me:
Os dentes outrora resistentes
caíram
e os poucos agora existentes
são cacos desgastados e sem vida.
Tentava andar, mas me tremiam os joelhos
tomados de artrose,
e dores atrozes
encurvavam-me o esqueleto todo.
Nem a música, esse lenitivo,
já surtia seu efeito,
pois, ao passar pelo canal auditivo,
encontrava um tímpano já desfeito.
Meu coração cansado
já não bombeava emoções,
tampouco o sangue circulava a contento.
Respirar era tarefa complicada,
e vagarosamente deixava
de entrar-me o vento.
Líquidos e sólidos travavam
uma luta ingrata:
No momento do descarte, relutância,
e no de continência, primeira infância.
A mente, um dia companheira,
virara de mim o rosto,
posto que não identificava mais o juízo
e nem era consciente mais do que era preciso.
Então, num sobressalto,
um grito alto corta a madrugada
e me levanto da cama suando frio.
Percebo que o eu decrépito
existira apenas em meu sonho
surgindo em meu semblante grave
um ar um pouco mais risonho.
Ao levantar para recompor-me do momento,
tropeço ao descer do leito,
caindo estatelado no chão frio
como a laje tumular.
Só então percebo as rugas virulentas
a cobrir-me a pele,
os pelos cintilantes como estrelas cadentes,
e, chegando ao espelho, não vejo os dentes,
somente a face encarquilhada pelos anos
e o olhar perdido de quem já perdeu a vida.