SENIL

Tive um pesadelo terrível:

Nele, eu estava velho;

a cabeça como tocha acesa

e, no peito, os pelos todos prateados.

A pele ressequida sobre a carne fraca

já não era mais a proteção do corpo;

chagas abertas convidavam os germes

a se unirem, em minhas entranhas, aos vermes

ali já existentes,

aguardando apenas meu último

Suspiro...

Em vão tentava alimentar-me:

Os dentes outrora resistentes

caíram

e os poucos agora existentes

são cacos desgastados e sem vida.

Tentava andar, mas me tremiam os joelhos

tomados de artrose,

e dores atrozes

encurvavam-me o esqueleto todo.

Nem a música, esse lenitivo,

já surtia seu efeito,

pois, ao passar pelo canal auditivo,

encontrava um tímpano já desfeito.

Meu coração cansado

já não bombeava emoções,

tampouco o sangue circulava a contento.

Respirar era tarefa complicada,

e vagarosamente deixava

de entrar-me o vento.

Líquidos e sólidos travavam

uma luta ingrata:

No momento do descarte, relutância,

e no de continência, primeira infância.

A mente, um dia companheira,

virara de mim o rosto,

posto que não identificava mais o juízo

e nem era consciente mais do que era preciso.

Então, num sobressalto,

um grito alto corta a madrugada

e me levanto da cama suando frio.

Percebo que o eu decrépito

existira apenas em meu sonho

surgindo em meu semblante grave

um ar um pouco mais risonho.

Ao levantar para recompor-me do momento,

tropeço ao descer do leito,

caindo estatelado no chão frio

como a laje tumular.

Só então percebo as rugas virulentas

a cobrir-me a pele,

os pelos cintilantes como estrelas cadentes,

e, chegando ao espelho, não vejo os dentes,

somente a face encarquilhada pelos anos

e o olhar perdido de quem já perdeu a vida.

Marcelo David
Enviado por Marcelo David em 05/10/2013
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