A CONQUISTA DO NEBLINA

A ânsia de brasilidade

Me transformou neste Andejo,

Para cumprir meu desejo

Travesti-me de condor

E me fiz conhecedor

De plainos e socavões,

Fiz de meus versos canções

Pra semear por onde eu for.

Em oitenta, era dezembro,

Na primeira escaramuça,

Meu olhar longe se debruça

Ainda na imaginação,

Pois foi o professor Roldão

Quem abriu-me a curiosidade,

Fazer do sonho a verdade

No bojo do meu violão.

Chefiados por Fregapani

Enfim chegou nosso dia,

Era tão grande a alegria

Que me custa descrevê-la,

Enchi o peito pra contê-la

E dei asas ao pensamento,

Fazendo desse momento

A minha ideia sinuela.

De Manaus a Maturacá

Num "búfalo" nós voamos,

Curiosos! Nos olhamos

Todos muito comovidos,

Ouvia nos meus ouvidos

(desculpem a redundância),

Do tempo de minha infância

A voz do sonho nutrido.

Pousados, em Maturacá

Os contatos foram feitos,

Lembro saudoso do jeito

Dos Ianomamis curiosos,

Sorrindo muito orgulhosos

De serem nossos guardiões,

E mais de duas gerações

Eu via nos rostos fogosos.

Com os guias conseguidos

Iniciou-se a empreitada,

Era a primeira jornada

Começamos ao meio-dia,

Pelas águas tão macias

Lentamente deslizando,

Todos iam reparando

Aves em algaravia.

Fui por terra com o guia

Um dia e meio caminhando,

A floresta desbravando

Curioso muito apreensivo,

Desde então me fiz cativo

Pelos mistérios da mata,

É um nó que não desata

Como "chimarrão do estribo!".

Lá no Igarapé Tucano

Esperamos os colegas,

Como perdiz em macegas

Nos ficamos acampados.

Era um dia já passado

Quando eles ali chegaram,

As cargas descarregaram

Estavam muito cansados.

Depois de muitos abraços

E a carga redistribuída,

Iniciamos a subida

Andando por quatro dias,

Éramos muita alegria

Mesmo com dificuldades,

Vai meu preito de saudade

Lá pra minha Vacaria!

Milton estava com febre

Ficamos apreensivos,

Pois nós tínhamos motivos

disse nosso Comandante.

Não seguiremos adiante

Se o guia não melhorar,

o jeito será retornar;

Temos que andar bastante.

"Meu Senhor tende piedade

Pelos nossos sacrifícios,

Poupe-nos o estropício

De voltarmos daqui,

Faço esta prece pra Ti

Orando à luz das estreias,"

Emoções, não sei contê-las,

Sou assim desde que nasci...

..."Agradeço-Te Meu Senhor

Por Teres me atendido,"

Pois a febre foi sumindo

Do Milton, o nosso guia,

Já sinto muita alegria

E a emoção se renova,

O mesmo que guria nova

Se preparando pra cria...

... Duas e cinquenta e cinco

Do Milton verifiquei a febre,

Fugiu certamente a lebre

Temperatura é normal,

Nosso Deus descomunal

Atendeu o meu pedido,

Estou sendo aquecido

por Conforto sem igual.

Reacendi com calma o fogo

Para aquecer nosso enfermo,

Eu procuro sempre o termo

Com a rima perseguindo,

Por vezes ela sumindo

Meio doida espavorida,

Procurando outra guarida

Com outro riso sorrindo...

Aquecido e recostado

Em árvore ignota,

Fazendo da minha nota

Estribilho na retina,

Tenho por estranha sina

Descrever o anormal,

Quero chegar afina!

Lá no marco do NEBLINA!

Ao chegarmos lá encima

Nós tivemos muito azar,

Só podíamos avistar

Alguns metros ao redor,

À neblina nosso suor

Hasteamos nossa Bandeira,

Tremulando altaneira

Nos sentimos bem melhor.

A premência do tempo

Não permitiu ficar mais,

Era tarde por demais

Já estava escurecendo,

Descemos sempre correndo

Apesar de perigoso,

O pouso foi doloroso

O fogo sempre morrendo.

Fregapani, Vanderlei,

eu; Barros, Bezerra e Coutinho,

aqui vai o meu carinho

A esse irmão de fé; coragem,

Que já fez a sua passagem

Desta para a outra vida,

Minha saudosa e sentida

"In memoriam" homenagem.

Voltamos em correria

Pra não perdermos o avião,

Passando por socavão

Aumentando a corrida,

Estávamos sem comida

Andando já sem parar,

começando no clarear

Terminando na dormida.

Voltei em oitenta e cinco

Numa jornada grandiosa,

Uma televisão famosa

Fazendo a cobertura,

Começando nas alturas

Ano oitenta repetimos,

Ao Tucano nos dirigimos

Ali começou agruras.

Abrimos uma clareira

Helicópteros pousaram,

Carregados nos levaram

Para o platô gigantesco,

Esta parte foi refresco

Comparando-se à anterior,

Muito frio e pouco calor,

Ao lado um morro dantesco.

Malogrados novamente

Pois tivemos que voltar,

Antes de ao ápice chegar,

A maioria revoltados,

São os ossos do riscado

De quem vai ao desconhecido,

Fui novamente vencido

Disse o "Hermano" chateado.

Mas em julho de noventa

Voltamos lá novamente,

Pra regar minha semente

Chegar terra com cuidado;

Andando sempre molhado

Pela chuva ou peio suor,

Sabendo quase de cor

Os caminhos detalhados.

O "Pico" chumbado ao céu

A noite eu ficava olhando,

Fechava os olhos sonhando

Com a imensidão da altura,

Diferente da planura

Do meu pago que amo tanto,

Fiz dos ventos meu canto

Nesse lance de ternura.

Cadastrando garimpeiros

O meu ofício da caserna,

Meio cansado das pernas

De andar o dia inteiro

E o "Pico" todo folheiro

Desafiando-me a subir,

Um "onça macho" a rugir

Afugentando o tropeiro.

Com o Homero, garimpeiro.

Eu fiquei maravilhado,

Diz que olhando la do lado

Oeste, teve a visagem,

Encheu-se então de coragem

Na procura do tesouro,

Pois era a visagem do ouro

"Curupirado” à passagem.

Fiz mais uma tentativa

Sabendo que não dava,

Energia me sobrava

O tempo, é que era escasso,

Apertando mais o passo

Chegamos no paredão,

Com o "De Paula" amigão

Que não refuga pedaço.

A volta foi alucinante

Tremendamente penosa,

Com a costa dolorosa

Pelo peso carregado,

Descendo acelerado

De tardezinha chegamos,

Pra descansar acampamos

Fiquei à rede recostado.

Sorvi o amargo da saudade

Na roda grande da cisma,

Senti o estranho carisma

Nessa hora de nostalgia,

Estava mermando o dia

No cantar da passarada,

Senti-me noite enluarada

Nos campos de Vacaria.

Setembro, três anos depois,

Voltamos lá novamente,

Agora com fim presente

De lá no alto chegar,

Depois de atrelado saltar

Duma grandiosa altitude,

Ao Tirelli com saúde

Vi a terra agigantar.

Joel, Vinícius, Tirelli,

Ambrozio, Paranhos, Souza,

O voo da águia que pousa

Para cumprir a missão,

Placa e Bandeira em união

Sentindo o frio gelado,

Enfim estava hasteado

O Nacional Pavilhão.

E no outro dia lá voltamos

Souza, Paranhos, Ferraz,

Falando língua de paz

Em terminência de fé,

Nas fisionomias até

Via as emoções estampadas,

Era a grande clavada

Na cancha do "Deus Poré".

O tempo nos era escasso

E a missão prosseguia,

Resgatar à luz do dia

A "Placa de oitenta e cinco",

Com a verdade não brinco

Compromisso era moral,

De colocá-la afinal

No NEBLINA com afinco.

A procura foi difícil

Ventava e muito chovia,

Contendo minha rebeldia

Fui descendo com cuidado,

Até que limpou um bocado

O "BV-4” vi distante,

Orientei-me naquele instante

Vendo o local procurado.

A emoção foi tão grande

Que tive de me sentar,

Depois da placa pegar

Estava fria e bem gelada,

Pelo tempo desbotada

Fui limpando-a com carinho,

Minha costa foi seu ninho

Voltamos em disparada.

Cumprida a missão Gurgel!

Bem como te prometi,

Pena não estares aqui

Pra comungar da emoção,

Fazer do verso canção

calcada em tenacidade,

Levando sempre a verdade

Nascida do coração.

Depois da placa chumbada

No seu lugar merecido,

Eu me paro embevecido

Ante a paisagem do instante,

Percebi cada semblante

Transmudado de emoção,

Ouvimos linda canção

Pela ventania cortante.

Ao iniciarmos a descida

nós paramos a pedido,

Do Paranhos resolvido,

Pra orarmos com devoção.

Aproveito esta ocasião

Pruma póstuma homenagem:

Ao Paranhos de coragem

Que se foi ao cumprir missão.

Onde estiveres amigo

Por certo me observando,

Meus passos sempre vigiando

Nesse seu jeitão servil,

Nossa Pátria Varonil

Sempre em primeiro lugar,

Pelos céus vamos ecoar

"COMANDOS, FORÇA, BRASIL!"

Manaus-AM, 18 mar de 1995