JOÃO MARIA (meu pai)

Desde há muito, muito tempo,

que eu tento homenagear,

quando me ponho a pensar

sinto-me um tanto pequeno,

perante o porte moreno

do grande taita: meu pai!

Deste meu saber não sai

nem orvalho e nem sereno.

Do tempo de vinte e três

do Rio Grande alvorotado,

semianalfabeto criado

pelegueando na campanha,

sempre teve o senso e a manha

da escolação campesina,

aquela escola que ensina

e molda a têmpera antanha.

Cresceu rude, arrinconado,

moldado ao sol, geada e frio,

conhecia da terra o cio

e o tempo bom de semear,

pra colheita aproveitar

com muita ciência e modelo,

deixando no seu pessuelo

tempo pra amar e sonhar.

Gaudério por natureza

domador de qualidade,

sempre deixando saudade

do seu jeito solitário,

mas foi sempre solidário

para com seu semelhante,

levando no seu semblante

aquele entono fadário.

Do seu tempo de moçote

ouvi algumas estórias,

linda e grande trajetória

com um seu tio, companheiro,

dos que apagavam candeeiro

para escapar dos mangaços,

saiam dando manotaços

buscando o amplo dos terreiros.

Depois do baile acabado

voltavam para seus ranchos,

pois entravam de carancho

só para sentir a reação,

se não houvesse confusão

catavam outro fandango,

mas que não tivesse tango

sim chotes e vanerão.

Meu sábio Pai, meu modelo,

moirão de angico, troncudo,

no dia a dia do se faz tudo

fostes meu mestre experiente,

mostrando sempre contente

de como se encara a vida,

pois quanta coisa perdida

não a encarando de frente.

O Rio Grande foi pequeno

à grandeza do seu olhar,

chiru bom de se tratar

desde que lhe respeitassem,

desde que não brincassem

com coisas séria da vida,

sua prosa sempre foi ouvida

por todos que o rodeassem.

Em trinta e cinco, a Intentona

Comunista, traiçoeira,

o alvo de nossa Bandeira

de sangue queria manchar,

pôs-se o menino a pensar

naquela barbaridade,

será que seria verdade

que a queriam avermelhar.

Pensou, pensou e concluiu!

que Deus não permitiria.

Uma grande selvageria

bem na calada da noite,

depois da hora do pernoite

a traição prosseguiu,

e o nosso Deus permitiu

da suástica cair açoite.

Foi uma mancha em nossa história

que entristece recordar.

O piazito viu clarear

no horizonte, sua esperança,

cresceu, deixou de ser criança,

de moçote a homem taludo,

virou peão macanudo

dava gosto ver sua trança.

Um dia... passou desta pra outra,

sem de nós se despedir,

o seu enterro não pude ir

muito longe me encontrava,

a distância separava

bem maior que o pensamento,

fiz minha prece pro vento

com a sua alma me juntava.

No fogão crioulo que estás

preparando o chimarrão,

a cuia, de mão em mão

como sempre tinhas feito,

amanuseada a preceito

enquanto sevava o mate,

peço que nunca desate

a saudade do meu peito.

E no dia que eu chegar

ai quero lhe encontrar sorrindo,

a porteira grande abrindo

pra passar cavalo e peão,

também o meu velho cão,

dos quais, eu não me separo,

quero fazer o disparo

pra carreira do alazão.

Manaus-AM, 12 de novembro de 1994.

Aos irmãos: Vanir, Luís Carlos (Tico Tico),

Maria de Lourdes, Clóvis Santo (Alemão),

Miguel (Guita), João Ivo (Nego),

Elton Emílio, José Antônio e Bernardo.

Em nome de todos:

“Em Memória":

De nossos saudosos pai, mãe,

irmão e irmãs com muita saudade.

Tapejara Vacariano
Enviado por Tapejara Vacariano em 14/08/2014
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