O BANCO E O POETA

Eu era árvore de grandes sentimentos até o dia em que chegou um homem de longos braços de aço e de olhar faminto e deitou-me, impiedosamente, ao chão.

Mais que a dor sentida, foi a dor de deixar a vida floral: a harmonia, a paz, a vida.

Fui levada para uma marcenaria e ali, traçada por um homem de sentimentos menores e bolsos esfomeados.

Ali virei prancha, depois tábua, depois assento. Um belo banco. Banco de praça.

Passei a fazer parte de um reino semi-morto.

Assentado embaixo de um frondoso salgueiro chorão, chorei todas as minhas lágrimas contidas e incontidas de ex-árvore desditada.

Tornei-me reduto de bêbados, viciados, prostitutas, mendigos, marginais e outros farrapos humanos.

Assim, cada dia morre mais em mim aquela esperança de servir como assento de algum poeta, em companhia de sua musa inspiradora, para fabricar alguma poesia.

Mesmo assim vou-me alimentado de ilusão e de saudades de alguém que sequer conheço; que nunca vi.