O peso de ser a mais velha

Se há uma queixa comum aos filhos mais velhos é a de que os pais costumam sobrecarregá-los de obrigações, ser mais rigorosos com eles, exigir que sejam um exemplo para os irmãos mais novos e, muitas vezes, chegam a obrigá-los a fazer o papel de babás. Isso piora quando se trata das filhas mais velhas, as quais chegam a ouvir que a irmã mais velha tem que ser como uma mãe, cuidar dos mais novos e ter responsabilidades. Acontece que isso pode levar a injustiças e a filha mais velha pode sentir que está trabalhando de graça como babá dos filhos dos outros. Está certo que filhas mais velhas podem ter responsabilidades como ajudar nas tarefas domésticas e até cuidar dos irmãos vez ou outra, mas isso não significa que ela tem que deixar de viver sua infância ou adolescência para assumir o papel de mãe. Não se pode esperar que ela faça coisas como aconselhar ou educar os menores. Os pais devem lembrar que não é justo terceirizar os filhos mais novos. São diversos os depoimentos de filhas mais velhas que deixaram de ir a festas, sair com os amigos, namorar e até se prejudicaram nos estudos por conta de cuidar dos irmãos menores. Os pais têm que entender que esse tempo de filha primogênita fazer papel de mãe não existe há um bom tempo.

Um bom exemplo de filha mais velha sobrecarregada é o de Amália*. Quando ela tinha apenas sete ou oito anos, a mãe dizia que ela tinha que ser responsável pela irmã, que era apenas três anos mais nova. Alguém consegue imaginar o absurdo? Obrigar uma criança a ser responsável por outra criança? Amália também era obrigada a arrumar a bagunça feita pela irmã, sob a ameaça de apanhar se não o fizesse e a mãe muitas vezes bateu nela dando-lhe chineladas na cara e na cabeça. Curioso é que, embora os pais tenham enchido Amália de deveres usando a alegação de que ela tinha mais obrigações por ser a primeira filha, eles sempre deram mais liberdade à segunda. Enquanto Amália ouvia que só poderia namorar depois de formada, a irmã namorou à vontade e perdeu cedo a virgindade.

O irmão mais novo de Amália nasceu quando ela era adolescente e ela foi forçada a assumir o papel de mãe dele. Como consequência, sacrificou a adolescência e seu rendimento escolar caiu porém o pai falava que ela estava indo mal nos estudos por ser burra. Às vezes, quando os pais iam sair e levavam o irmão, ela tinha que ir para cuidar dele, mesmo quando ela pedia para ficar explicando que teria prova no dia seguinte. Depois, o irmão iniciou os estudos e era sempre ela que o ajudava na lição de casa. Um detalhe interessante é que, quando Amália era criança, os pais ficavam em cima dela na hora do dever de casa. A mãe chegava ao ponto de ditar respostas e mandá-la fazer coisas que os professores não tinham ordenado ou tinham dito que era para fazer em classe. Quanto à irmã mais nova, os pais nunca se intrometeram na hora da tarefa e, em relação ao irmão, colocaram nas costas dela a responsabilidade de ajudar o irmão com a lição de casa. A moça começou a se sentir sobrecarregada quando se formou e passou a estudar para concursos públicos, pois o irmão, que não gostava de estudar, estava correndo perigo de ser reprovado. A mãe foi pedir a Amália que ajudasse o irmão mas a moça disse que precisava se dedicar aos estudos para passar em concurso e não podia estar sempre se sacrificando. Então, a mãe choramingava: "Minha filha, por favor, seu irmão pode ser reprovado." E vejam o que o pai dizia: " É a sua obrigação de irmã mais velha. Você é quem tinha que estar em cima o tempo todo, ensinando e fiscalizando." Engraçado é que o pai tinha sido professor. De nada adiantou Amália deixar seus estudos de lado e se sacrificar para ajudar o irmão, que nunca prestou atenção quando ela tentava ensinar a matéria. Ele, que não queria estudar, foi reprovado e acabou largando os estudos. Chegou a fazer História mas largou a faculdade, dizendo que não queria ser professor com Bolsonaro sendo presidente. E hoje, que Bolsonaro não é mais presidente, ele não quer mais saber de retomar os estudos.

Hoje, os pais de Amália morreram e ela, a quem eles sempre oprimiram dizendo que ela não devia namorar ou casar para não "sofrer com homem que não presta", está sofrendo morando com o irmão, um barbado que não se formou e inventa motivos para não ir atrás de emprego, dizendo que não tem condições de trabalhar porque sofre assédio moral e preconceito por ser homossexual. Ele só quer saber de encher a cara. Ultimamente, ela andou dizendo que vai lavar as mãos e sente raiva de ter deixado de viver a adolescência para cuidar de alguém que se tornou um verdadeiro Zé Ruela. E a raiva dela só aumenta quando ela pensa que os pais, que sempre foram tão rigorosos com ela, não tiveram nenhum pulso com o irmão mais novo, deixando-o largar os estudos e ficar em casa sem fazer nada. Portanto, cabe aos pais um recado: irmã mais velha não é o mesmo que mãe.

* nome trocado para proteger a privacidade