Da compreensão

Me tremo. Arrepio a inteira vida de mim, as folhas do meu quintal que eu vejo agora, teriam vibrado também se tivessem sentido, escutado. Corri até aqui fora mesmo já sendo quase escuro total.

Tinha que escrever.

Antes, mais cedo a tarde, falei no banho, falei pensando pra mim mesmo, pensando que compreender é um ato dolorido, de esforço incomum.

a compreensão é o aceite até do inacessível, o amor total, e nisso, (e por causa disso) o realizar que a órbita das coisas quase nunca percorre o nosso ego.

É entender que nem tudo assopra seguindo uma deriva lógica, que as cores, são pros outros seres, uma série de outros tons, e frios, e calores que não os nossos.

Que compreender é um silogismo cortante, de precisar até as vezes contra intuir, abandonar a raiva, entender a falta, descobrir que nem sempre o outro é capaz de dar, nem você, nem eu, muito menos capaz de receber.

A compreensão é o amor e o amor é a fragilidade oferecida pro outro (e somente a ele.)

Isso tudo me passou pela cabeça como um atravessar e sumir, um sumir que eu achava ser pra nunca mais voltar, esses devaneios típicos, sabe? Que você pensa uma hora e já esquece, e eu muito menos tinha na hora papel pra anotar.

E aí, aí me completou as coisas.

Li "Prece" de Clarice

E depois ouvi o mesmo trecho nos 1:28:04 do disco "Abraçar e agradecer"

E soube que para além de amor e fragilidade, compreensão é sobretudo coragem:

"Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude."

É, para além de domar a raiva, de amansar a voracidade desejante, saber encontrar lugar também pra a solidão, acomodá-la estável:

"Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua."

E aí vim até aqui pra escrever. Eu vou deixar aí embaixo na íntegra o trecho. Que seja pra você uma completude também (mesmo que temporária).

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.(...)"